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CONCEITOS JURÍDICOS FUNCIONAIS: GESTÃO PÚBLICA ATUALIZADA COM SUCESSO

D’ALEMBERT ARRHENIUS ALVES DOS SANTOS Advogado do escritório JCGG

Como fato cultural, o Direito, notadamente, um de seus principais elementos, a saber, a linguagem jurídica, deve estar em consonância com o momento da correspondente realidade histórico-cultural.

Nesse contexto, não se pode perder de vista o que já restou destacado noutra oportunidade:

(...), parece ser suficiente a compreensão do deslocamento do eixo das letras jurídicas, sobretudo a partir do século XX, do Direito Civil (culto exacerbado da autonomia da vontade) para o Direito Constitucional (regulação objetiva e firme do poder estatal e proteção dos direitos fundamentais).

Diante de tal cenário, o gestor público realmente inclinado a justificar o múnus que se dispôs a exercer em prol da sociedade deve estar a par desse deslocamento de luzes jurídicas, já denominado, por alguns, de constitucionalização do Direito Civil4 e que também se observa (essa mesma constitucionalização) no Direito Administrativo, entre outras disciplinas jurídicas.

Em decorrência da atualização destacada no parágrafo anterior, a gestão pública hodierna deve estar cada vez mais familiarizada com os chamados conceitos jurídicos funcionais como, por exemplo, o da função social da propriedade5, máxime no sentido de atender direitos fundamentais.

Em lineamento geral, pode-se dizer que os conceitos jurídicos funcionais operam em dois planos, quais sejam, o normativo e o da realidade social6, os quais são exemplificados adiante.

Segundo o plano normativo, a saúde pública reflete a ideia de que todos têm direito à saúde, inclusive como direito fundamental, sendo o Estado o sujeito passivo de tal direito (de acordo com a Carta de Outubro), o qual integra ainda o chamado mínimo existencial.

Já no plano da realidade, verificam-se vastas necessidades sociais e limitados recursos públicos, o que engendra a chamada reserva do possível como norte para o atendimento sobretudo dos direitos fundamentais sociais, em face das previsões orçamentário-financeiras do Estado.

“Para alívio do precitado gestor público, nem só de questões tormentosas vive a gestão pública neste País. Em determinadas situações, é muito fácil perceber a forma correta, ou melhor, a forma constitucional de agir”

Ficou difícil entender os dois planos destacados acima? Para facilitar o entendimento, basta pensar na tormentosa questão do fornecimento de medicamentos pelo Estado a pessoas que não podem comprá-los, no âmbito das mesmas perspectivas constitucionais realçadas anteriormente.

Sem dúvida, estar-se-ia aí diante de uma metodologia jurídico-administrativa complexa como reflexo da complexidade da realidade social que lhe é correlata8. Não obstante, o gestor público brasileiro não pode deixar de agir e, secundando a atualização sublinhada acima, deve agir para cumprir o máximo possível aquelas exigências constitucionais.

Mas, para alívio do precitado gestor público, nem só de questões tormentosas vive a gestão pública neste País. Em determinadas situações, é muito fácil perceber a forma correta, ou melhor, a forma constitucional de agir. Explica-se com a seguinte hipótese.

A educação, consoante a Carta de Outubro, também é um direito social e deve ser atendido inclusive com a obrigação estatal de aplicação mínima de parte de certas receitas públicas na consecução de tal finalidade educacional.

Segundo noticiado, escolas no interior do Nordeste brasileiro com insuficiência de salas de aula, sem computadores e internet e até com falta de água encanada teriam sido beneficiadas com o envio de vinte e seis milhões de reais para a compra, pasmem, de kits de robótica.

Um gestor público minimamente responsável teria alguma dúvida sobre a inconstitucionalidade de efetuar tal despesa pública apenas para cumprir tabela?

Induvidosamente, o gasto público cogitado acima não atenderia o direito fundamental de educação, violando claramente a Carta de Outubro, a começar pelos próprios princípios constitucionais da Administração Pública, a exemplo da moralidade e eficiência.

Nesse passo, o gestor público brasileiro, sobretudo em função da atualização jurídica destacada acima, deve atentar na obediência efetiva (e não meramente formal) da Carta de Outubro, máxime no que diz respeito a direitos fundamentais, porquanto seu atendimento generalizado constitui ferramenta importante para reduzir as desigualdades sociais deste País tão desigual, o que, por tabela, ainda atende outra vontade constitucional, notadamente, um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro.