DEPENDÊNCIA HISTÓRICA
No Brasil, o Município é um ente federativo autônomo, ao lado da União e dos Estados, conforme previsto na Constituição Federal. Uma das faces da autonomia destacada no parágrafo anterior, notadamente a financeira, tem sido objeto de questionamentos históricos, como registrado a seguir: Reclamo, dizem os autores do relatório, da maioridade inconformada com o pátrio […]
No Brasil, o Município é um ente federativo autônomo, ao lado da União e dos Estados, conforme previsto na Constituição Federal.
Uma das faces da autonomia destacada no parágrafo anterior, notadamente a financeira, tem sido objeto de questionamentos históricos, como registrado a seguir:
Reclamo, dizem os autores do relatório, da maioridade inconformada com o pátrio poder, que entregou às províncias mesquinho quinhão, impróprio a lhes assegurar os meios de vida necessários ao trabalho e à prosperidade. A queixa insiste numa imagem, depois repetida até ao enfado: a máquina pneumática que aspira o ar que deve vivificar a circunscrição provincial. (…) Por enquanto, uma reivindicação os une – querem melhor partilha, não como subsídio do centro, esmola do rico ao pobre, mas para receber o que lhes pertence, de direito¹.
Essa reclamação das antigas províncias brasileiras continua ecoando, embora com uma atualização: quem mais reclama hoje é o Município.
A causa histórica e inafastável dessa ladainha institucional deriva, em certa medida, do processo de formação da federação brasileira que se deu de modo oposto ao do chamado federalismo clássico, como já destacado (há mais de uma década) noutra oportunidade:
Definitivamente, se há um aspecto que não pode passar despercebido em tal contramão federativa brasileira é este: a federação não resultou da reunião de forças políticas independentes, sendo antes produto da implosão de uma fonte centralizadora de poder político, a saber, o império².
Dizendo de outro modo, a federação brasileira foi imposta de cima para baixo. Portanto, nada mais natural (politicamente falando, é claro) do que esperar um total desinteresse de quem estava no exercício centralizado do poder político em se dispor a produzir um arranjo institucional que pudesse, de alguma forma, ameaçar sua estadia no andar superior do Estado brasileiro.
Mas existe um outro ponto também inquestionável, a saber, a histórica apatia de Estados e, principalmente, de Municípios, no sentido de adotar providências para caminhar – institucionalmente falando – com as próprias pernas e assim, numa palavra, parar de depender das esmolas da União.
“À luz do ordenamento jurídico nacional, não faltam alternativas para o Município promover a emancipação financeira que vem sendo reclamada desde os tempos imperiais. Para tanto, é preciso, obviamente, implementar adequadas medidas”
Com efeito, não faltam possibilidades de utilização de ferramentas já previstas no ordenamento jurídico nacional para permitir que Municípios passem a gozar, efetivamente, de autonomia financeira³. Explica-se.
Em termos de orçamento público, uma gestão orçamentária eficiente que vise à redução das despesas correntes, notadamente aquelas relacionadas com a manutenção da chamada máquina administrativa, pode economizar recursos suficientes para investimentos de interesse público.
Por exemplo, a abertura, conservação ou melhoria de uma estrada que possa facilitar e incrementar a atividade de turismo ecológico no âmbito do Município, além de representar ganho para a economia local, pode contribuir para a conservação e preservação ambientais, com todos os benefícios daí decorrentes, incluindo a possibilidade de aumento de receitas públicas próprias do Município.
Com relação à atividade administrativa propriamente dita, a gestão dos bens públicos municipais também pode vir a proporcionar benefícios tanto para os munícipes quanto para a Administração Pública Municipal, inclusive com incremento de receitas públicas municipais próprias.
No tocante ao cenário econômico local, pode-se cogitar de medida de indução econômica⁴, por exemplo, estimulando determinados comportamentos dos agentes econômicos que possam trazer benefícios imediatos para estes e mediatos para todos, incluindo a possibilidade de aumento de receitas públicas próprias do Município.
Como visto, à luz do ordenamento jurídico nacional, não faltam alternativas para o Município promover a emancipação financeira que vem sendo reclamada desde os tempos imperiais.
Para tanto, é preciso, obviamente, implementar adequadas medidas, por exemplo, de planejamento, gestão administrativa e dos recursos orçamentário-financeiros, desenvolvimento sustentável e responsabilidade fiscal.
A adoção das medidas sublinhadas no parágrafo anterior exigirá do gestor público municipal uma postura diferente da apatia institucional destacada acima, o que, para alguns, pode significar uma dificuldade intransponível. De fato, é bem mais fácil seguir o mais do mesmo: não fazer nada e engrossar o coro daquelas lamentações seculares dos tempos imperiais.
Para rematar, a iniciativa governamental de procurar efetivar aquela emancipação ou, quando menos, diminuir a dependência municipal de recursos públicos federais (ou estaduais) está ao alcance do gestor público municipal tanto quanto a cômoda atitude de seguir repetindo a secular cantilena da injusta repartição de receitas públicas entre os entes federativos como justificativa para a estagnação local.
- Raymundo Faoro, Os donos do poder, 5 ed., São Paulo: Globo, 2012,
p. 524. - D’Alembert Arrhenius Alves dos Santos. Município brasileiro e sua
crise de legitimação democrática, Interesse Público – IP, Belo Horizonte,
ano 15, n. 82, nov./dez., 2013, p. 235. - D’Alembert Arrhenius Alves dos Santos, Ibidem.
- Eros Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, 8 ed., São
Paulo: Malheiros, 2003, p. 128.