EQUILÍBRIO ECOLÓGICO DO MEIO: DIREITO FUNDAMENTAL
A Ilha da Desolação, assim chamada por Robinson Crusoé no início do seu diário, é a mesma que ele, tempos depois, enaltece por lhe proporcionar alimento de muita boa qualidade, incluindo até mesmo iguarias. De fato, Robinson Crusoé conseguiu perdurar tanto tempo na referida ilha, porque, à sua maneira, encontrou um jeito de se utilizar […]

A Ilha da Desolação, assim chamada por Robinson Crusoé no início do seu diário, é a mesma que ele, tempos depois, enaltece por lhe proporcionar alimento de muita boa qualidade, incluindo até mesmo iguarias.
De fato, Robinson Crusoé conseguiu perdurar tanto tempo na referida ilha, porque, à sua maneira, encontrou um jeito de se utilizar com prudência dos bens ambientais lá existentes. Dizendo de outro modo, a utilização racional dos recursos ambientais na então Ilha da Desolação foi decisiva para a sobrevivência do famoso náufrago.
Para reforçar melhor o que se disse acima, tome-se o exemplo dos habitantes de uma outra ilha, qual seja, a Ilha de Páscoa.
Acredita-se que a Ilha de Páscoa é o exemplo máximo de destruição de florestas no Pacífico e um dos mais acentuados da Terra. No momento em que a última palmeira de Páscoa feneceu, assinalando o ocaso da cobertura florestal insular, só restaram os ratos como fonte de alimento silvestre.
Quando a Constituição Federal do Brasil consagra o equilíbrio ecológico do meio como um direito humano fundamental (um direito da chamada terceira geração), não se tem, no mais das vezes, em meio aos compromissos ordinários do cotidiano, uma percepção tão clara da relevância desse direito.
Quiçá esta passagem já registrada noutra oportunidade possa facilitar tal compreensão:
Consoante visto, o ambiente consiste num grande organismo vivo dotado de componentes abióticos e bióticos, observando-se uma constante relação de interdependência entre eles. Sendo o homem um daqueles elementos bióticos do meio, é fácil constatar sua inserção na citada relação. Dito de outro modo, a criatura humana não tem condições de existir no meio de forma isolada. Se não pode viver isoladamente, só resta ao homem relacionar-se com o meio em que vive, não por favor ou liberalidade, mas simplesmente por uma questão, frise-se, de sobrevivência.
Para sua própria graça, Robinson Crusoé logo percebeu sua relação de interdependência com os demais componentes da referida ilha e desempenhou seu papel, no âmbito de tal relação, de modo racional, respeitando os limites naturais do seu entorno.
No entanto, essa sensibilidade de Robinson Crusoé não é compartilhada por todos, sendo essa uma das razões de o Direito Ambiental ter surgido para regular sobretudo a atividade humana capaz de afetar negativamente o meio, desequilibrando-o ecologicamente.
A se levar em conta o ditado por que as pessoas vivem primeiro no Município e não no Estado ou na União, o gestor público municipal deve ter uma atuação governamental decisivamente voltada para o adequado enfrentamento da questão ambiental, pois é nas cidades que os efeitos de decisões humanas ambientalmente equivocadas são sentidos em primeiro lugar, a exemplo dos chamados eventos climáticos extremos, como secas causticantes ou chuvas torrenciais no Brasil e também fora, sem falar no janeiro mais quente da história.
Decerto, a Administração Pública Ambiental Municipal tem missões inadiáveis nos tempos que correm, de destinação adequada de resíduos sólidos à gestão eficiente de recursos hídricos, passando ainda pela promoção da economia circular, só para citar alguns exemplos.
Em alguns casos, infelizmente, a atuação governamental não virá mais para melhorar a vida das pessoas, mas apenas para permitir-lhes a sobrevivência, diante de cenários de degradação ambiental severa gerados, no mais das vezes, pela omissão prolongada da gestão pública na adoção oportuna de medidas administrativas preventivas ou repressivas.
Por sua vez, o gestor público municipal encontra no Direito Ambiental um importante aliado na missão de assegurar o mencionado direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, mas precisa estar ciente de que a implementação desse direito é mais do que urgente e deve ser contínua, até porque, não custa lembrar, não existe o chamado planeta B para a humanidade.
A propósito, acredita-se que o isolamento da Ilha de Páscoa no Pacífico é, em termos proporcionais, semelhante ao da Terra no espaço. Daí ser relevante registrar que, com o esgotamento dos recursos naturais, os insulares de Páscoa não tiveram para onde fugir ou a quem pedir ajuda.
O que vão dizer quando derrubarem a última árvore, conspurcarem o último rio, o último pedaço de chão ou concluírem a poluição atmosférica em cada um dos recantos terrestres?
Dirão que a inteligência artificial resolve? Que a impressora 3D vai dar um jeito? Que o progresso é assim mesmo? Mas que tipo de progresso? Para onde?
A essa altura dos acontecimentos, certamente, não haverá ratos suficientes para todos os terráqueos.
Definitivamente, se a questão ambiental já era urgente lá nos idos de 1972, com a Conferência de Estocolmo, hoje, pode-se dizer que sua resolução é para ontem e, como visto acima, começa primeiro nos Municípios.
Portanto, cabe primordialmente ao gestor público municipal adotar urgentemente medidas governamentais que não só impeçam o desequilíbrio ecológico no território municipal, mas que favoreçam e promovam o equilíbrio ecológico desse meio e assim o conservem, pois disso pode resultar o cenário que oferecerá a seus munícipes um destino de boa qualidade, incluindo até iguarias, como se deu com Robinson Crusoé, ou outro em que sobrem apenas ratos, como na Ilha de Páscoa, ou talvez nem isso.
1. Daniel Dafoe, As aventuras de Robinson Crusoé, Porto Alegre: L&PM, 2014, p. 78, 118.
2. Jared Diamond, Colapso, 3 ed., Rio de Janeiro: Record, 2006, p. 138- 9.
3. Norberto Bobbio, A era dos direitos, Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 5.
4. D’Alembert Arrhenius Alves dos Santos. Fundamento constitucio- nal do Direito Ambiental brasileiro: direito de solidariedade e o fim da polêmica entre antropocentrismo e ecocentrismo, Fórum de Di- reito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 15, n. 88, jul./ ago., 2016, p. 19.
5. D’Alembert Arrhenius Alves dos Santos, Ibid. p. 22.
6. Fonte: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/noti- cias/2024/09/secas-estao-se-tornando-mais-frequentes-e-inten- sas-no-brasil-aponta-cemaden; acesso em 4-2-25.
7. Fonte: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/playlist/chuva-causa- -mortes-e-alagamentos-na-grande-sao-paulo-videos.ghtml; acesso em 5-2-25.
8. Fonte: https://www.band.uol.com.br/videos/chuva-torrencial- -afeta-mais-de-um-milhao-de-pessoas-na-franca-17293836; acesso em 4-2-25.
9. Fonte: https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2025/02/06/ primeiro-mes-de-2025-foi-o-janeiro-mais-quente-da-historia.ght- ml; acesso em 7-2-25.
10. Jared Diamond, Ibid., p. 152.