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GOVERNO BUSCA ALTERNATIVAS PARA RECOMPOR AS RECEITAS E REALIZAR NOVOS INVESTIMENTOS

Fazenda confirma perda de R$ 700 milhões com a redução do ICMS e aposta em parceria com a União para amenizar o desequilíbrio orçamentário

O Governo do Rio Grande do Norte viverá, a partir deste mês de abril, um cenário indesejado por qualquer gestor público: a perda de receitas em um cenário onde já impera o desequilíbrio fiscal. O estado já ultrapassou o limite de gastos com pessoal (4%) estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal e ainda terá que li- dar com a redução – de 20% para 18% -- na alíquota modal do ICMS, aprovada pela Assembleia Legislativa e com vigência a partir deste mês de abril. A perda anual é estimada em R$ 700 milhões pelo secretário da Fazenda, Car- los Eduardo Xavier, confirmando a previsão formulada por ele durante o processo de discussão do tema com os deputados e o setor empresarial, que apoiou a redução. A nova sangria de recursos é um complicador extra no de- safio de adequar os gastos com pessoal ao limite legal, no prazo de dez anos, conforme estabelece o programa que o Governo Federal instituiu para ajudar os estados em dificuldades fiscais. Ao aderir ao plano, o RN habilitou-se a contratar financiamento para realizar as obras e projetos que não cabem no orçamento sobrecarregado pela despesa com pessoal. Para reforçar a capacidade de investimento, o governo aposta também, segundo Xavier, em parcerias que carreiem mais recursos  federais.  Nesta  entre- vista, o secretário fala sobre as relações com o empresariado, as negociações com os servidores em busca de reajustes salariais e sobre os impactos da reforma tributária nas finanças de estados e municípios.

Carlos Xavier Eduardo

Secretário, todo mundo acompanhou a dificuldade política do Governo do Estado, no ano passado, no processo de votação para prorrogar, a partir deste mês, a alíquota de 18% do ICMS ou voltar à de 20%, que acabou sendo aprovada pela Assembleia Legislativa. Já dá para dizer se as perdas de arrecadação, estimadas em até R$ 700milhões/ano, realmente ocorreram?

Eu acho que os impactos negativos começam a se materializar. Para fazer essa análise, agente precisa da comparação de 2024 com 2023, e é importante colocar que, até março de 2023, a alíquota ainda era de 18 porcento; então, agente está comparando18 em 2024 com18 em 2023. Em 2023, agente teve um crescimento de arrecadação de ICMS na casa de 15 por cento. Agora, em janeiro, agente teve um crescimento na casa de 9 porcento; fevereiro, já na casa dos 5 por cento; e agora em março, até o dia 21 [a entrevista foi feita dia 22], o crescimento também está na casados 5 porcento. Quando a gente começar a comparar18 com 20, que vai ser a partir de abril, agente deve ter um crescimento menor. Então, já dá pra dizer que aquele cenário que a gente projetou, de perdas de cerca de R$ 700 milhões, ele vai se replicar. Aí as pessoas falam:“mas se a arrecadação está crescendo, como você está falando em perda?”Ela deveria estar crescendo num nível acima de 15 porcento, como vinha se comportando no ano passado e não está se verificando neste ano. Então, agente deve ter, sim, aqueles R$ 700 milhões de perdas. O nosso trabalho na área da receita, neste ano, é tentar um crescimento máximo possível, mas agente não consegue, mesmo num cenário otimista, pensar em mais do que 6 porcento de crescimento.

Então, independentemente da conjuntura econômica geral, dá para cravar que o RN de fato perdeu?

Sim, não tenho dúvidas. Alguns diziam que, coma redução da alíquota, a economia do estado especificamente iria aquecer e teria um crescimento de receita do ICMS. Eu rechacei isso o tempo todo, no ano passado, e está se confirmando a nossa projeção. Não é a redução da alíquota que vai fazer a economia do estado crescer; não está acontecendo isso. A economia do país pode ter um crescimento este ano, a gente aposta nisso, mas é algo global. Não vai ser a redução da alíquota que vai fazer a economia local crescer mais ou crescer menos, como a gente disse no período dessa discussão.

“A gente trouxe todos os benefícios fiscais do RN para o patamar

em que estão os estados vizinhos.

Não hoje uma perda

de competividade do estado por causa de benefícios fiscais.

Isso foi construído junto com o setor produtivo, com a FIERN

[Federação das Indústrias], com a Fecomercio [Federação do Comércio], com todos os segmentos”

Além da questão pontual do ICMS, aquele período evidenciou um certo descompasso entre os desejos de setores do empresariado e o governo, sem falar na diferença de estimativas feitas a partir da perspectiva de cada um sobre a mudança de alíquota. para dizer que dificuldade generalizada de relacionamento político entre o setor empresarial e o governo ou as diferenças estão restritas a questões pontuais, como essa da alíquota do ICMS?

Eu vou ser sincero: nunca houve dificuldades de relacionamento do governo com o setor empresarial. Pelo contrário: desde 2019, houve até uma certa surpresa

do empresariado pela forma como o Governo do Estado se relacionou com esse segmento da sociedade, sempre pautando as ações pelo diálogo. Nós fizemos uma ampla revisão da nossa política tributária, trazendo benefícios que todos os estados tinham, e o Rio Grande do Norte havia parado no tempo. Exemplos: o Proedi [programa de benefícios fiscais para a indústria], o regime especial de atacado [comércio]. A gente trouxe todos os benefícios fiscais do RN para o pata- mar em que estão os estados vizinhos. Não hoje uma perda de competitividade do estado por causa de benefícios fiscais. Isso foi construído junto com o setor produtivo, com a Fiern [Federação das Indústrias], com a Fecomercio [Federação do Comércio], com todos os segmentos.

Nesse caso específico da discussão da alíquota do ICMS, o segmento como um todo se posicionou contra, mas alguns setores o fizeram de forma que a gente não considerou até por tudo isso que o governo fez ao longo de cinco anos uma ação justa do ponto de vista de convocar empresários para irem para dentro da Assembleia Legislativa. Foram ações que passaram um pouco do ponto, mas isso é página virada. A governadora Fátima não tem como característica o revanchismo; pelo contrário: ela sempre pauta as ações do governo pensando no desenvolvimento do estado e no que é melhor para a população. A gente não tem aqui nenhum tipo de revanchismo. As nossas ações continuam sendo pautadas pelo espírito público e pela melhoria da situação econômica do estado. Isso permeia o governo desde 2019 e a gente continua com esse sentimento.

Na sua avaliação, havia alguma predisposição política negativa do empresariado em relação ao governo, que descambou para esse enfrentamento, considerando que os dois lados fizeram projeções radicalmente opostas sobre as consequências da decisão a ser tomada, embora analisando a mesma realidade e os mesmos números?

“Foi aberta uma mesa de negociação com os servidores, mas ela precisa ser pautada pela responsabilidade porque, se houver um atraso de salário, os primeiros a bater à porta do governo e com muito mais veemência serão os próprios

servidores públicos, reclamando o recebimento dos

seus salários, algo que a gente nunca atrasou”

Particularmente, eu questiono muito um relatório gera do por uma das entidades, com dados que, agora, a realidade comprova que estavam bem equivocados, mas é uma página virada, um processo que já se encerrou. O estado continua e nós temos que lidar com a realidade. É sempre importante dizer que a decisão final foi da Assembleia Legislativa. Os deputados decidiram pelo retorno da alíquota de 18 por cento no RN, algo que foge completamente da realidade do país. Nenhum estado reduziu a alíquota de ICMS do ano passado para este ano, nós fomos o único. Mas a gente está lidando com isso. É mais um desafio. Vamos ter muitas dificuldades neste ano, mas o governo já pro- vou em outros momentos que tem competência para lidar com esses desafios, e é isso que a gente vai fazer ao longo ano.

Entre esses desafios começa a haver mobi- lização de servidores reivindicando reajustes salariais, e a gente sabe que a situação fiscal do governo não permite muita margem de ma- nobra. Como o senhor encara esse desafio que está se delineando?

Agente sempre procura ser o mais transparente posível e precisa partir de um fato inegável: o Rio Grande do Norte hoje está acima do limite prudencial de gastos com pessoal. É o estado que tem o maior comprometimento de suas receitas com folha. Além disso, estamos vivendo 2024 com essa questão da redução da alíquota do ICMS para 18 porcento. São fatores que não podem ser desprezados na hora de ir para uma mesa de negociação com os servidores públicos estaduais. Nós reconhecemos o pleito dos servidores. É um governo em que a governadora escolheu os seus principais assessores entre os servidores públicos – acho que 90 porcento dos secretários são servidores públicos. Não há nenhum tipo de caça, de perseguição aos servidores, mas nós precisamos negociar observando sempre os números, para que agente não tenha de volta uma realidade que aconteceu há muito pouco tempo. Todo mundo lembra doque os servidores sofreram e do que a economia sofreu quando, em 2017 e 2018, os salários do estado atrasaram. Então, agente precisa fazer essa discussão e estamos fazendo. Foi aberta uma mesa de negociação com os servidores, mas ela precisa ser pautada pela responsabilidade por que, se houver um atraso de salário, os primeiros a bater à porta do governo – e aí com muito mais veemência – serão os próprios servidores públicos, reclamando o recebimento dos seus salários, algo que a gente nunca atrasou. É um orgulho da governadora e de toda a equipe dela, e que a gente preza muito, para que a quele quadro de atraso não se repita no futuro.

A situação fiscal dos estados tem a ver com a repartição dos recursos tributários. Como o senhor, que é também presidente do Comsefaz [Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal], avalia os resultados da reforma tributária para os estados, em relação ao que eles pleiteavam? E o que pode ser melhorado, agora que vai começar a regulamentação da reforma?

Esse novo desequilíbrio fiscal não é uma realidade do Rio Grande do Norte tanto que vários estados fizeram aumentos de alíquota modal ICMS de 2023 para e se inicia naquele movimento, feito às vésperas da eleição presidencial de 2022, de redução das alíquotas do que a gente chama de blue chips, que são as principais fontes de arrecadação de ICMS: combustíveis, energia, telecomunicações e transportes. Estou falando da Lei Complementar 192 e da Lei Complementar 194, que o Governo Federal anterior tomou essa medida, com aprovação do Congresso Nacional é sempre bom registrar às vésperas da eleição buscando se viabilizar para se reeleger. Isso trouxe um prejuízo muito grande para os estados, e todos começaram esse movimento: a alíquota modal, que é a alíquota padrão de ICMS, vai de 18 para 20 por cento, 21 em alguns lugares. A gente foi nessa onda, mas, infelizmente, para 2024 nossa alíquota foi reduzida e a gente tem esse quadro de desequilíbrio.

Com relação à reforma tributária, era algo que o país precisava enfrentar muitos anos. Fazia-se esse de- bate muito tempo, que nunca houve uma convergência política como houve agora, por diversos fatores, desde a falência do sistema da tributação do consumo no país, altamente complexo, que traz um

‘custo Brasil’ muito alto, até o fato de os estados ficarem com sua base de tributação extremamente reduzida, como eu exemplifiquei agora pouco com as leis complementares. Foram vários fatores que levaram à aprovação da reforma. Olhando especificamente o Rio Grande do Norte, a reforma tem vários fatores positivos e outros pontos de preocupação.

O fator positivo principal é que nós somos um estado primordialmente consumidor, e uma mudança, na reforma tributária do consumo, do princípio de ‘origem e destino’ para o ‘destino puro’. O que é isso? No ICMS, parte do tributo fica no estado onde a mercadoria ou o serviço é produzido e a outra parte fica onde houver o consumo. É o princípio de origem e de destino. No IBS, que vai substituir o ICMS, a gente migra para o princípio do destino puro, ou seja, o tributo fica todo onde a mercadoria ou o serviço vai ser consumido. Isso é muito bom para um estado com a nossa característica.

Em linhas gerais, é muito positiva a aprovação da reforma tributária. Claro que tem um período de transição, porque não dava para fazer um cavalo de pau em relação a isso. Para a gente ia ser muito bom, mas para os estados produtores da mercadoria ou serviço é muito ruim no curto prazo. Claro que, no longo prazo, teses que defendem que isso vai ser muito positivo para eles também. E o ponto de preocupação que a sociedade de estados com as características do nosso deve ter é a questão de uma possível reconcentração, com o fim dos benefícios fiscais, dos nossos investimentos no mercado consumidor e eu estou falando do Sul e do Sudeste do país. Por isso é tão importante ter um fundo nacional de desenvolvimento regional com o princípio da redução dessas desigualdades regionais, para que a gente não tenha, de algo tão positivo como a reforma tributária, um efeito-rebote negativo que é a volta dos investimentos para os estados de São Paulo, do Rio de Janeiro, que se- ria muito ruim para os estados do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste.

“Estruturalmente, para o nosso estado,

é fundamental que a receita continue crescendo naquele patamar de 15 por cento ao ano, o que seria muito bom, e a folha

– não estou falando aqui de redução de quadro ou demissão – tenha um crescimento vegetativo bem abaixo desse percentual”

Em função dessa análise que o senhor fez, em que os estados do porte do RN devem centrar fogo durante a regulamentação da reforma?

Neste momento, a gente está fazendo a discussão da regulamentação, porque a reforma não acabou. Foi aprovado o texto constitucional, mas têm todas as leis complementares e leis ordinárias que vão dar o arcabouço legal do sistema tributário do consumo no país. As nossas principais preocupações são, primeiro, a manutenção da autonomia dos entes subnacionais estados e municípios –, que é efetivamente onde as pessoas vivem, para que tenham condições de prestar os serviços públicos básicos à população e para isso eles precisam de recursos. Por isso, estamos muito focados na manutenção dessa autonomia. E também estamos extremamente preocupados com essa questão do Fundo de Desenvolvimento Regional, para que ele tenha fontes de financiamento e os recursos cheguem efetivamente aos estados, para que eles possam manter os atuais e trazer novos investimentos.

Voltando ao tema da extrapolação do limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal para gastos com pessoal: como é que o Rio Grande do Norte vai equacionar isso se não houver um aumento muito expressivo da arrecadação?

A gente tem uma estratégia, mas que não é de curtíssimo prazo, porque não teria como ser. A nossa estratégia é o Plano de Equilíbrio Fiscal [PEF], criado pelo Governo Federal e pelo qual os estados com a nossa situação fiscal se comprometem com uma trajetória de redução gradativa desse percentual de gastos com pessoal ao longo de dez anos. Como fazer isso? Através de duas variáveis. A primeira é fazer o estado crescer num ritmo maior que o crescimento da despesa com pessoal. E é preciso ressaltar que a alíquota de 18 por cento atrapalha essa trajetória; por isso eu fui tão incisivo na defesa da manutenção dos 20 por cento. Estruturalmente, para o nosso estado, é fundamental que a receita continue crescendo naquele patamar de 15 por cento ao ano, o que seria muito bom, e a folha não estou falando aqui de redução de quadro ou demissão tenha um crescimento vegetativo bem abaixo desse percentual. Não pode ser isso: a receita cresceu 8 por cento e a despesa cresceu 7. Não vai adiantar. Você tem que estabelecer o crescimento da receita numa casa e que o crescimento da despesa fique na metade ou 60 por cento disso. Assim, ao longo de dez anos, você vai ganhando fôlego, e o resultado disso é a recuperação da capacidade de investimento do estado.

“É matemática: os números não mentem. Quando você tem um percentual menor em cima de uma base, o resultado vai ser menor; não tem como não ser.

Essa era a grande discussão, que, infelizmente, nós perdemos.

Agora é olhar para a frente e tentar buscar outros caminhos de recompor as receitas

do estado”

Nós vivemos num mundo e num país muito polarizados, e há pessoas que falam: o estado tem que gastar o que arrecada com folha porque os servidores vão investir isso no consumo, o que faz a economia crescer. Mas, por outro lado, eu acredito na linha de que o estado tem que ter capacidade de investimento. Claro: tem que remunerar satisfatoriamente os seus servidores, até para que eles estejam motivados na prestação de bons serviços para sociedade, mas você tem que ter recursos para investimentos, porque, se não tiver, acontece o que aconteceu – e a gente agora está começando a resolver – com as estradas. Se você pega todo o seu dinheiro e joga na folha, não vai ter dinheiro para recuperar as estradas e nem para fazer novas. Eu estou me atendo só às estradas, mas isso vale para tudo.

Qual é a margem que o governo tem hoje para investimentos?

Praticamente não existe, devido ao alto comprometimento de gastos com pessoal. Nós conseguimos através do PEF a primeira parcela de 400 milhões de reais num financiamento de longo prazo, com carência e uma taxa de juros menor que as do mercado, e vamos melhorar a estrutura das nossas estradas. Mas vamos ter acesso aos próximos financiamentos se a gente cumprir a meta de reduzir gastos com pessoal. É o nosso grande desafio.

Se o comportamento atual dessas duas curvas arrecadação e gastos com pessoal se mantiver, como o senhor projeta a situação até o final do governo?

Se a gente tivesse mantido aquela alíquota de 20 por cento e o crescimento de cerca de 15 por cento da arrecadação da ICMS ao ano, a gente teria uma margem importante para negociar uma recomposição salarial numa situação melhor do que tem hoje para os servidores públicos, cumprindo essa trajetória de crescimento da arrecadação e de crescimento menor da despesa. É por isso que, neste ano, a gente tem muita dificuldade de fazer qualquer recomposição da folha: a gente perdeu essa alíquota de 20 por cento.

Então, voltando à primeira pergunta, essa foi a primeira consequência da redução da alíquota modal do ICMS?

Sim, foi o primeiro impacto objetivo da perda. É matemática: os números não mentem. Quando você tem um percentual menor em cima de uma base, o resultado vai ser menor; não tem como não ser. Essa era a grande discussão, que, infelizmente, nós perdemos. Agora é olhar para a frente e tentar buscar outros caminhos de recompor as receitas do estado. A governadora está muito atenta a isso. Logo que esse cenário se desenhou, eu avisei para ela que a gente precisaria de receitas extraordinárias em 2024. E desde o início do ano a gente vem trabalhando nisso em Brasília, junto ao Governo Federal, com possíveis parcerias que tragam novas receitas para o estado.