“INTERFERÊNCIA EXCESSIVA DO JUDICIÁRIO GERA INSEGURANÇA JURÍDICA”
Líder da oposição no Senado critica a atuação do STF e aponta riscos à autonomia do Congresso e à liberdade de expressão
A ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL é um fator de agravamento das tensões políticos e de risco para a estabilidade da democracia, ao extrapolar o seu papel constitucional e tomar decisões que atropelam a competência do Poder Legislativo. A avaliação é do senador potiguar Rogério Marinho (PL), uma das vozes mais ouvidas nos embates da oposição com o governo
Lula dentro e fora do Congresso Nacional. Ele defende a anistia dos envolvidos nos ataques aos prédios públicos em janeiro/2023, negando que o movimento pretendesse um golpe de estado, e vê tentativa de censura nas ações do STF para coibir as chamadas fake news. No front estadual, aponta o fracasso do governo de Fátima Bezerra em setores cruciais, como a educação, a segurança e a infraestrutura, comprometendo o desenvolvimento econômico do RN. “É um governo medíocre”, resume, na entrevista concedida antes de se licenciar do Senado por quatro meses para se dedicar à organização do PL para as eleições municipais. Nesse período, a cadeira de Rogério será ocupada pelo suplente Flávio Azevedo.
“A interferência excessiva do Judiciário gera um ambiente de insegurança jurídica, onde as decisões podem ser vistas como arbitrárias e politicamente motivadas, enfraquecendo a confiança nas instituições”

Rogério Marinho
O senhor é uma das vozes críticas ao que chama de usurpação das atribuições e competências do Legislativo pelo Judiciário, especialmente o STF. De que forma se dá essa usurpação? Quais as implicações disso no ordenamento constitucional e na política do país?
Nossa crítica baseia-se na preocupação com a separação dos poderes, um princípio fundamental da nossa Constituição. Observamos uma crescente interferência do Judiciário em questões de competência exclusiva do Legislativo, que desestabiliza nosso ordenamento constitucional e prejudica a democracia. Inquéritos abertos de ofício pelo STF, sem a devida imparcialidade, comprometem a legitimidade dos processos. Temos inquéritos em que um ministro acumula funções de investigador, acusador e juiz, em claro desvio das atribuições constitucionais.
Durante as eleições de 2022, vimos o STF agir proativamente para remover conteúdos das redes sociais sob o pretexto de combater fake news, mas muitas dessas ações foram percebidas como censura e controle ideológico por grande parte da própria população. A liberdade de expressão é um direito fundamental, e sua restrição deve ser cuidadosamente ponderada para não comprometer o debate público e a democracia. A interferência excessiva do Judiciário gera um ambiente de insegurança jurídica, onde as decisões podem ser vistas como arbitrárias e politicamente motivadas, enfraquecendo a confiança nas instituições.
É essencial restaurar o equilíbrio entre os poderes e a normalidade democrática. O Legislativo deve recuperar sua competência exclusiva de legislar e fiscalizar, enquanto o Judiciário deve se limitar a julgar com imparcialidade, sem interferir nas atribuições dos outros poderes, e o Executivo deve se limitar às suas atribuições de administração — a despeito de, insistentemente, ultrapassar as prerrogativas do Congresso. Somente assim garantiremos a integridade do nosso sistema democrático e a confiança do povo brasileiro nas instituições.
“O Judiciário deve limitar-se a julgar conforme as leis existentes,
sem promover inovações legislativas que cabem, exclusivamente, ao Congresso Nacional”
Por outro lado, já se ouviu ministro do STF justificando essa possível usurpação como decorrente da morosidade do Congresso em apreciar temas que estariam na pauta da sociedade, como a questão da descriminalização da posse de drogas leves. O que aconteceu de fato nesse caso? E em outro similares? Há mesmo esse descompasso temporal entre a pauta do Congresso e a da sociedade, a ponto de justificar que um poder exerça a competência ou faça o trabalho de outro?
A questão aqui não é a morosidade do Congresso, mas o respeito à separação dos Poderes. O Legislativo tem seu ritmo próprio, que reflete o debate democrático e a complexidade das questões. No caso da descriminalização da posse de drogas, é verdade que o tema está em discussão há anos, mas decisões unilaterais do STF não resolvem a questão. Ao contrário, criam insegurança jurídica e desrespeitam a vontade popular expressa através dos seus representantes eleitos. Se há um descompasso temporal, não justifica que um poder invada a competência do outro. É fundamental que cada poder respeite suas atribuições para que possamos manter o equilíbrio e a estabilidade democrática no país.
Nossa legislação já reflete a vontade da maioria da população. A preservação da Constituição e das leis vigentes é essencial para a coesão social e a estabilidade política. O Judiciário deve limitar-se a julgar conforme as leis existentes, sem promover inovações legislativas que cabem, exclusivamente, ao Congresso Nacional, que é o órgão legítimo de representação da sociedade. Se há temas que ainda não foram apreciados pelo Congresso é porque a sociedade, por meio de seus representantes, assim o deseja. A legislação atual é a mais adequada para o contexto brasileiro e qualquer mudança deve passar pelo crivo democrático do Congresso, e não ser imposta por um órgão cujo papel é julgar, e não legislar
Quais devem ser as pautas prioritárias do Congresso nos próximos meses?
O Congresso Nacional tem uma série de prioridades, todas ditadas pela forma dinâmica com que a realidade brasileira se comporta. Acho que a primeira e mais importante é preservar o legado que foi construído ao longo dos últimos seis anos. E falo do governo Temer e do governo presidente Bolsonaro. Preservar a modernização de marcos regulatórios importantes, como saneamento, como cabotagem, como ferrovia, como startups, marcos que permitiram que tivéssemos um acréscimo importante de investimentos privados que voltaram a acreditar no nosso país, legados que dizem respeito a mudanças da nossa política macroeconômica, nas reformas trabalhistas, na reforma previdenciária, na modernização das normas regulamentadoras de segurança e saúde do trabalho, todas essenciais para permitir um ambiente de previsibilidade e segurança jurídica necessárias para atrair o capital e gerar emprego, renda e oportunidades no nosso país.
Além disso, nós precisamos avançar com o projeto de reformas. É essencial que façamos a reforma administrativa, que possamos salvar a reforma tributária. Nós perdemos aí uma enorme oportunidade de fazermos uma reforma tributária que, ao retirar o caráter regressivo de acumulação de impostos e, ao mesmo tempo, permitir o fim da guerra fiscal entre estados, nós tivéssemos uma mudança na nossa estrutura arrecadatória para permitir que as más práticas administrativas não continuassem a perdurar no orçamento da União. Então, o fato de o governo ter se omitido nessa discussão permitiu uma série de distorções que vão cobrar um preço muito caro no futuro. O principal setor da economia, que é o setor de serviços, vai ser extraordinariamente onerado, porque houve muitas exceções, houve muitas diminuições de alíquotas em cima daqueles que mais gritaram e mais se organizaram como lobby, uma vez que o governo delegou essa negociação a terceiros.
A outra pauta que eu considero essencial é preservar, melhorar, qualificar a nossa educação. O Brasil, hoje, tem um dos piores sistemas educacionais do planeta, onde nós gastamos muito e temos pouquíssimo retorno no sentido de melhoria da proficiência dos nossos alunos e da eficácia do nosso sistema de ensino. Nós temos, hoje, um sistema de ensino que é refém de uma ideologia que deveria privilegiar o empirismo científico e não as palavras de ordem ou tentativas de se
fazer, nas escolas públicas e privadas do nosso país, um experimento sociológico que subverte a nossa condição de país. Precisamos gerar, a médio e longo
prazo, cidadãos qualificados e aptos a ingressarem na sociedade nesse esforço coletivo que todo o Brasil tem de melhorar a nossa produtividade e nossa proficiência, que nos dará uma condição diferenciada na nossa disputa com outros países em função de oportunidades e de investimentos necessários para o nosso
desenvolvimento.
“O Judiciário tem ultrapassado suas funções ao ordenar
a suspensão de perfis.A liberdade de expressão é um pilar da nossa democracia, e não podemos permitir que medidas arbitrárias silenciem críticas legítimas”
Há críticas de congressistas também ao entendimento do STF sobre os limites da liberdade de expressão como garantia constitucional, especialmente nos episódios em que houve ordem judicial para suspender ou cancelar perfis em redes sociais associados pelo Judiciário à difusão de fake news. O senhor é a favor da regulação (ou controle, como preferem alguns) das redes sociais? Em que medida e de que forma? A questão da regulação das redes sociais exige um equilíbrio cuidadoso entre a necessidade de combater uma real desinformação e a proteção da liberdade de expressão, que é um direito constitucional fundamental. Eu sou absolutamente contrário a qualquer forma de controle governamental que ameace a liberdade de expressão nas redes sociais. O Judiciário tem ultrapassado suas funções ao ordenar a suspensão de perfis. A liberdade de expressão é um pilar da nossa democracia, e não podemos permitir que medidas arbitrárias silenciem críticas legítimas.
A autorregulação das plataformas, combinada com a aplicação rigorosa das leis já existentes, como o Marco Civil da Internet e o Código Penal, pode ser um caminho mais eficaz e menos intrusivo. Essas leis já preveem penalidades para calúnia, difamação e injúria, e podem ser aplicadas para coibir abusos sem necessidade de regulação pelo Ministério da Verdade criado pelo governo. Qualquer regulação deve respeitar os direitos fundamentais e evitar qualquer forma de censura ou controle ideológico.
“A anistia não é um sinal de fraqueza,mas de maturidade democrática.
Ela visa reduzir tensões e evitar divisões profundas que enfraquecem o tecido social”
É inegável o uso político-eleitoral das fake news. A cada eleição, e mesmo nos intervalos entre uma e outra, o problema assume proporções maiores. Como avalia o tratamento dispensado pela Justiça Eleitoral ao problema? Há iniciativas do Congresso para coibir os abusos comprovados? Ou o aparato legal e os mecanismos de controles existentes são suficientes? As fake news têm sido usadas como pretexto pelo atual governo e por setores do Judiciário para justificar medidas que beiram a censura. É preocupante quando essa justificativa é utilizada para controlar o debate público e silenciar vozes críticas ao governo do PT. São inaceitáveis decisões que ultrapassagem os limites constitucionais, com suspensão de perfis e remoção de conteúdos sem critérios claros e em desrespeito ao Marco Civil, o que gera insegurança jurídica e ameaça à democracia. O verdadeiro problema não está na falta de legislação, mas no uso excessivo e arbitrário das medidas que já existem.
Quem define o que é fake news? É um governo de ocasião, que criou uma espécie de Ministério da Verdade, tornando real a distopia Orwelliana? Na hora em que um espectro ideológico da sociedade define o que lhe incomoda, principalmente confundindo críticas legítimas à sua atuação no governo com desinformação, nós estamos em sério risco de fragilizar a democracia e a liberdade de expressão.
O Congresso tem a responsabilidade de garantir que a legislação e os mecanismos de controle sejam equilibrados e justos. Repito o que disse antes: a autorregulação das plataformas e a aplicação das leis existentes, como o Marco Civil da Internet, são suficientes quando utilizadas corretamente. É essencial defender a liberdade de expressão como um direito fundamental e combater qualquer tentativa de controlar a narrativa pública por meio de censura.
O senhor já propôs a concessão de anistia às pessoas condenadas pela invasão de prédios públicos no 8 de janeiro de 2023 e em episódios correlatos investigados pelo STF como elementos de um plano para derrubar o governo eleito em 2022. Como o senhor ampara legalmente a sua proposta? Acredita que ela pode contribuir de fato para distensionar politicamente o país? Ou haveria aí a criação de um precedente com potencial para favorecer a ação de grupos eventualmente interessados em desestabilizar o país?
É imprescindível a pacificação e reconciliação nacional. A anistia é um mecanismo previsto na nossa Constituição, utilizado ao longo da história para promover a unidade e a estabilidade política. Muitos dos envolvidos nos eventos de 8 de janeiro agiram impulsionados por um fervor momentâneo, e não representam uma ameaça à nossa democracia. Nossa história republicana já utilizou anistias para integrar diferentes correntes políticas, promovendo paz e estabilidade.
Há mais de 40 anistias na história da República brasileira, não há nenhuma novidade. A novidade é que, por um crime de depredação de patrimônio público, contra, inclusive, o que preza a nossa Constituição, de juiz natural, de instâncias recusais, amplo direito de defesa, a não individualização dos processos, nós estamos vendo condenações em escala industrial completamente desproporcionais, de 12 a 17 anos, em cima de uma narrativa de golpe de Estado, que, na minha opinião, não ocorreu. Defendemos a punição para quem depredou, invadiu, incitou ou danificou patrimônio público dentro do que preceitua a nossa legislação e o nosso código penal, a nossa Constituição e o nosso código penal.
No Brasil, a própria ex-presidente Dilma Rousseff só foi presidente da República porque foi anistiada. O Leonel Brizola e o Miguel Arraes foram governadores de estado porque foram anistiados. José Dirceu e José Genoíno são outros exemplos. A anistia não é um sinal de fraqueza, mas de maturidade democrática. Ela visa reduzir tensões e evitar divisões profundas que enfraquecem o tecido social. É uma medida extraordinária que deve ser acompanhada por um compromisso de todos os setores da sociedade em respeitar as regras democráticas e a ordem constitucional. Não se trata de impunidade, mas de um passo para restaurar a paz e fortalecer nossa democracia.
O país vive uma polarização evidente, que não refluiu nem mesmo depois do ciclo eleitoral. Isso se reflete na composição da bancada federal potiguar, com parlamentares vinculados aos dois polos dominantes no cenário político nacional. A polarização prejudica em alguma medida o trabalho dos parlamentares pelos municípios potiguares? Ou o interesse coletivo consegue extrapolar a rinha partidária e ideológica?
A polarização nacional é um fenômeno evidente e tem suas implicações no cenário político geral. No entanto, é crucial entender que as dinâmicas das eleições municipais são substancialmente diferentes das eleições nacionais. Nas cidades, as questões locais, as necessidades específicas das comunidades e as competências dos candidatos têm um peso muito maior na decisão do eleitor.
No caso dos municípios potiguares, essa polarização pode até influenciar o discurso político, mas não impede o trabalho dos parlamentares em buscar o interesse coletivo. Acredito firmemente que, apesar das diferenças ideológicas, os representantes eleitos estão comprometidos em atender às necessidades de suas comunidades. A disputa partidária é natural em qualquer democracia, mas o compromisso com o desenvolvimento local e a melhoria das condições de vida da população transcendem as divisões políticas.
“Em vez de incentivar o crescimento e a inovação, vemos um governo que prefere aumentar impostos e criar barreiras burocráticas, prejudicando diretamente a competitividade das nossas empresas”
Qual a sua avaliação do desempenho do Governo Lula em relação às demandas do país e, particularmente, do Rio Grande do Norte?
O governo Lula tem se mostrado ineficaz em atender às demandas cruciais do país e, particularmente, do Rio Grande do Norte. Observamos uma série de promessas não cumpridas e uma gestão marcada por medidas populistas que não enfrentam os problemas estruturais do Brasil. A política econômica adotada pelo governo tem gerado incertezas e afastado investimentos, o que impacta diretamente a criação de empregos e o crescimento econômico.
No que diz respeito ao Rio Grande do Norte, a situação é ainda mais preocupante. Apesar de termos uma governadora do mesmo partido do presidente, não vimos nenhum benefício concreto. Nossa infraestrutura continua precária, com estradas em péssimo estado de conservação, e os investimentos em segurança pública e educação são insuficientes. A administração estadual, sob a liderança de Fátima Bezerra, falha em articular políticas eficazes que possam aproveitar os recursos federais de forma produtiva.
Além disso, o governo Lula tem demonstrado uma postura de confrontação com o setor produtivo, especialmente no agronegócio, que é um pilar econômico importante para o Rio Grande do Norte. Em vez de incentivar o crescimento e a inovação, vemos um governo que prefere aumentar impostos e criar barreiras burocráticas, prejudicando diretamente a competitividade das nossas empresas.
Em suma, o governo Lula falha em entregar resultados que realmente beneficiem a população. Precisamos de uma gestão que seja focada em soluções reais e eficientes, que promova o desenvolvimento econômico, sustentável e social de forma equilibrada e responsável. Até agora, o governo federal tem sido mais um obstáculo do que um parceiro para o progresso do Rio Grande do Norte e do Brasil.
E o governo Fátima, como o senhor o avalia? A coincidência de ter uma governadora do mesmo partido do presidente da República tem se traduzido em benefícios para o RN?
O governo de Fátima é um completo desastre. Estamos entrando no sexto ano, e mais de 90% da população não sabem apontar um feito do atual governo. A nossa infraestrutura está em frangalhos. Estradas, hospitais, aeroportos regionais. Apesar da atual governadora ser professora de formação, nós estamos pontuando no último lugar do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que demonstra, também, a falência nesse item essencial, que é a for- mação dos nossos jovens para enfrentar o desafio do mercado de trabalho. Vivemos em um clima de insegurança, que, além de penalizar o cidadão comum, afasta o turista, que é a maior atividade econômica que o Estado dispõe. Este é um governo medíocre, sem projeto, sem plano, e que tem um único objetivo: o projeto de se perpetuar no poder. Eu espero que o governo melhore, até porque todos moramos no Estado do Rio Grande do Norte. Mas vejo poucas perspectivas num futuro próximo.