"OS MUNICÍPIOS NÃO SUPORTAM MAIS OS CUSTOS DO SUS"
Ex-secretário de Saúde de Natal alerta para os riscos do desequilíbrio do sistema, que sobrecarrega prefeituras e carece de correções para continuar salvando vidas
Depois de quase seis anos à frente da Secretaria de Saúde de Natal, George Antunes de Oliveira, 66 anos, deixou o cargo em março passado, com a pretensão de disputar uma cadeira na Câmara de Vereadores pelo partido do prefeito Álvaro Dias. Assinou a ficha de filiação ao Republicanos, mas, passados alguns meses, desistiu de continuar no Legislativo a “missão de servir” à população numa das áreas mais expostas a cobranças e críticas da sociedade. Convenceu-se de que não tem o perfil necessário à função, embora mantenha acesa a paixão pela área em que acumula dez anos de experiência na gestão pública, com incursões também no setor privado. Nesta entrevista exclusiva, Antunes alerta para a necessidade de ajustes no SUS, de forma a corrigir desequilíbrios financeiros, estruturais e legais que sobrecarregam as prefeituras e reduzem a eficiência do sistema, considerado um dos melhores do mundo em saúde pública.
“Há uma vontade enorme dos que detêm o poder de atribuir dos problemas do sistema somente à má qualidade da gestão, ao desperdício de recursos,
à má utilização, à malversação dos recursos”

George Antunes
O senhor tem visão profunda sobre o funcionamento do Sistema Único de Saúde, que, na concepção, é de alto nível. Mas, na prática, os problemas são muito abrangentes, antigos e insolúveis. Que avaliação o senhor faz do funcionamento do SUS, considerando a filosofia de criação e a realidade vivida? Quais são os principais problemas?
O SUS foi concebido de uma forma espetacular, com uma formatação próxima da perfeição. A execução é que é a parte mais complicada. Eu costumo dizer que nós temos no SUS três fatores que eu considero determinantes do sucesso ou do insucesso do sistema. O primeiro deles é o subfinanciamento, um fator incontestável, por mais que as pessoas queiram mascarar, alegando sempre um deles – que é o segundo do qual eu vou falar – que é a qualidade da gestão. E o terceiro fator são os conflitos de interesses. Esses três problemas interferem de forma impressionante na execução do que está programado para ser o Sistema Único de Saúde.Quando o sistema passou a ser descentralizado, ou seja, passou de Sistema Único a Sistema Único e Des- centralizado de Saúde, que a gente chamava de SUDS à época, o governo federal começou a descentralizar o SUS para os estados. Depois, descentralizou para os municípios. Quando começou a descentralizar, o governo descentralizou as ações e serviços num volume e num grau de responsabilidades incompatíveis com o volume dos recursos financeiros. Boa parte do bolo financeiro ficou com o Governo Federal (GF), a segunda maior parte com os Governos Estaduais (GE) e pouco dinheiro para os municípios que, no entanto, ficaram com a responsabilidade total. Então, aí vem a questão do subfinanciamento.
Eu posso dar exemplos claros, incontestáveis, porque às vezes há uma vontade enorme dos que detêm o po- der de atribuir os problemas do sistema somente à má qualidade da gestão, ao desperdício de recursos, à má utilização, à malversação dos recursos. Vou dar dois exemplos muito claros com base em dados do próprio sistema de informações do Ministério da Saúde, que é acessível a todo mundo. Tem lá uma tabela de remuneração onde todos podem ver quanto o Ministério da Saúde paga por determinados procedimentos. Uma diária de UTI paga pelo Ministério da Saúde gira em torno de seiscentos reais. Algumas UTIs mais especializadas, chegam a mil e duzentos, mil e seiscentos reais. Só que uma diária de UTI custa para o serviço, qualquer serviço, seja público ou privado, custa em torno de três mil e seiscentos reais. Ainda que você receba mil e seiscentos reais, dois mil reais saem dos cofres da prefeitura.
Então, você percebe aí que não existe um financiamento tripartite. Eu costumo dizer que isso é uma ajuda de custo, porque você fica com a maior fatia da despesa, enquanto a maior parte do dinheiro fica com o Governo Federal. Não tem nada de igualitário aí. E muitos municípios vivem quase exclusivamente do Fundo de Participação dos Municípios. Tem município que não tem arrecadação nenhuma.
Outro exemplo: numa consulta médica, o que o Ministério da Saúde repassa aos municípios gira em torno de dez reais, quando uma consulta médica custa muito mais de cem reais. Significa dizer que noventa reais são bancados exclusivamente pelo município. Alguém pode imaginar: ah, mas é só noventa reais... Se eu mostrar o número de consultas feitas em um ano de 2023, aqui em Natal, que foi de 493 mil, dá um volume financeiro bem interessante. Isso traz um prejuízo anual de 44 milhões de reais, que o município precisa pôr. Essa é a questão básica do subfinanciamento.
Qual é a solução para o subfinanciamento? Seria preciso mudar a legislação?
Não precisaria mudar a legislação: é preciso atualizar as tabelas de remuneração. É uma coisa de vontade política. Esse é um dos problemas do subfinanciamento: não se criou um gatilho de reajuste automático dos valores dos procedimentos. A gente sabe que a inflação pela IPCA chega a 5, a 6 por cento ao ano. Só que a inflação na saúde tem um diferencial: ela é medida de uma forma diferente. Existe o custo hospitalar e de procedimentos médicos, que não é igual à conta da inflação normal, porque ele leva em conta dois fatores: a elevação do valor de produtos para a saúde, como medicamentos e material médico-hospitalar (seringa, algodão, agulha etc.); leva em consideração também a variação de preços de procedimentos médicos da rede privada; e o volume de utilização pelo paciente.
Na saúde é assim: quanto mais vezes eu, usuário do SUS, procuro um ponto de atenção, mais eu vou elevando aquele custo. Não é assim: a pessoa foi lá uma vez e não vai mais. Cada vez que eu vou, eu elevo aquele custo porque eu estou consumindo o serviço. Então, a inflação na saúde é diferente. A variação é absurda. É por isso, inclusive, que as operadoras de saúde, os planos de saúde, estão em dificuldades financeiras, principalmente depois da Covid, quando a busca por atendimento médico ambulatorial aumentou muito. E isso aumenta o custo da atenção.
Há quanto tempo a tabela do SUS está sem reajustes?
Eu já estou no sistema desde 2005 e nesse período não houve reajuste da tabela. Às vezes, há reajuste pontual de um, dois ou três procedimentos. Existe um compromisso agora deste governo de que esse reajuste aconteça anualmente, mas ninguém sabe se será para a tabela como um todo ou se só procedimentos pontuais. Mas essa revisão da tabela é urgente por- que os municípios não suportam mais os custos do SUS. Eles têm obrigação constitucional de aplicar 15 por cento da sua receita corrente na saúde, mas aplicam 30, 35, 40 por cento. Na pandemia de Covid-19, Natal chegou a aplicar 38,75%. Você tirar quase 40 por cento da arrecadação do município para colocar só em saúde, é uma coisa complicada, porque você tem outras áreas para investir, principalmente no aspecto social, que acabam sendo prejudicadas. Enquanto os municípios aplicam quase o dobro do que é sua obrigação, os estados, na contramão disso, aplicam exclusivamente o que estão obrigados a aplicar: só 12 por cento. O estado do RN é 12 cravado, no máximo chega a 13. Significa dizer que, se a maior parte do dinheiro está lá e o estado é quem menos aplica, a coisa fica complicada. E o governo federal, então, nem se fala...
“Alguns governantes querem dizer que o SUS tem problemas só por causa da qualidade da gestão, mas eu digo que não é bem assim: é também por isso”
E sobre o segundo ponto, a qualidade da gestão?
Alguns governantes querem dizer que o SUS tem problemas só por causa da qualidade da gestão, mas eu digo que não é bem assim: é também por isso. Mas considero que o principal fator, a causa primeira dos problemas, é o subfinanciamento. E aí eu falo como se estivesse colocando mesmo o poder de influência desses fatores em ordem decrescente: primeiro o sub- financiamento, segundo a qualidade da gestão. E ela já vem também mesclada do terceiro fator problemático, o conflito de interesses, que é o componente político. Nós temos, muitas vezes, secretarias de saúde administradas por pessoas que não têm a menor qualificação nem a competência para o cargo. São pessoas que não se instruíram sobre o SUS, que tem uma legislação extremamente complexa, ou que nem sequer tiveram formação em gestão pública.
Quando eu assumi o cargo de direção lá no Giselda Trigueiro, a primeira coisa que eu fiz, logo na primeira semana, já entrei num curso de administração hospitalar, na Universidade Potiguar. Então, eu já procurei me qualificar. Daí eu fui fazer MBA, fiz gestão pública, fiz gestão financeira, gestão de negócios, para me qualificar cada vez mais. Conhecimento do SUS eu já tinha, mas fui aprofundando esse grau de conhecimento. Mas, numa linha geral, a gente não vê isso. Você pega os municípios aí e tem secretários desses municípios pequenos que, às vezes, vão três vezes por semana no trabalho, dá meio expediente e vai embora. Quando você vai olhar, são mal remunera- dos ou são indicações políticas, sem critério técnico. Melhorou muito nesse aspecto, aqui no RN.
Em secretarias do interior, a gente já vê bons gestores, mas eu vi um negócio, coincidentemente, sobre esse aspecto de qualidade da gestão, aí já jogo isso como exemplo, olhe essa notícia que eu vi ontem: prefeito de Iporá (Goiás) nomeia primo que não concluiu ensino médio para o cargo de diretor geral do hospital municipal, diz Ministério Público. É por isso que eu falo de conflito de interesses e de má qualidade da gestão: o cara quer dar um cargo a algum parente ou um amigo e bota para ser secretário de Saúde, diretor do hospital, bota para ser diretor financeiro de uma Secretaria de Saúde, um coordenador da rede de urgência e emergência de uma Secretaria de Saúde, pessoas que não têm qualificação, mas apenas para acomodar politicamente ou para acomodar um parente em um cargo. Isso faz com que a qualidade da gestão diminua. Já é complexo para quem entende, imagine para quem não entende.
Então, nós ainda temos isso até em cidades grandes, em capitais, em secretarias de Estado, em todos os lugares. Se você for nos 5.570 municípios, nos 27 estados da Federação, isso acontece, em maior ou menor grau. Isso interfere diretamente na qualidade da gestão. E aí se você já tem um problema de subfinanciamento e uma gestão que não é cem por cento qualificada, a probabilidade de usar mal os recursos é grande.

“Há muitos a quem interessa o SUS vivo, de pé, pulsando, mas não cem por cento eficiente, porque há outros que querem vender produtos para o sistema"
E o terceiro fator, o conflito de interesses, como ele pesa sobre o SUS?
Eu digo sempre que há muitos a quem interessa o SUS vivo, de pé, pulsando, mas não cem por cento eficiente, porque há outros que querem vender produtos para o sistema. Nós temos as consultorias, as assessorias, a parte dos serviços privados que precisa sobreviver e que é outro fator que acaba sendo confundido. Nós temos no setor privado aqueles bons prestadores, que têm realmente compromisso com a saúde da população em geral, embora aquilo que ele tenha seja um negócio, mas dá para conciliar o negócio com o aspecto social do cuidado com o povo. Mas temos aqueles que não são tão, eu não diria escrupulosos, mas que não têm aquele grau de responsabilidade, de saber que dá para conciliar, e acaba querendo se tornar de fato um usuário do sistema, um cara que vai se locupletar de alguma forma, tirar algum benefício sem dar o que a população de fato precisa. E aí fica o problema para o gestor, de barrar essa parte do sistema que é perversa.
Existe algum filtro legal ou alguma forma de impor um padrão seletivo maior na hora de contratar serviços ou produtos do setor privado? Ou esse controle é feito sempre a posteriori?
Existe, sim. A própria legislação, a lei de licitações de contratos, tem regras muito claras. Você especifica o produto que você quer, e aí vamos dar um passo atrás no que eu falei sobre qualidade da gestão. Então, quando você coloca, por exemplo, um camarada na rede de urgência e emergência, um coordenador, ele engloba essa área hospitalar, essa parte hospitalar, e o secretário chama um diretor desse e diz: olhe, nós precisamos contratar um serviço na área de home care, por exemplo, a assistência domiciliar. Pra isso, a lei de licitação pede um termo de referência, e o cara é obrigado a fazer. Ele vai elaborar o termo de referência, onde você vai fazer um contrato que, dependendo do serviço, pode ser de milhões de reais. E aí o cara elabora o termo e traz para abrir o processo de licitação. A maioria das pessoas é bem qualificada e bem intencionada, por isso o sistema funciona. Mas há uma pequena parte que interfere negativamente, porque não tem capacidade de redigir. Você chama, conversa com ele, fica certo de que ele está entendendo tudo que você falou, mas ele não consegue escrever, porque não sabe redigir um documento. E aí eu digo: meu amigo, tem um contrato aqui de dois milhões de reais, você traz para mim e não está me convencendo, imagine aí um órgão de controle quando pegar um documento desse. Volte lá e escreva. Às vezes, eu era obrigado a fazer eu mesmo o documento, o que não é para ser feito. Então, nessa falha para especificar o produto que você quer – e como a própria lei também é perversa nesse aspecto, ela não deixa você direcionar no bom sentido para o que você quer, ela deixa um leque muito aberto, os camaradas se valem das brechas da lei e vão impugnando, e licitação vai, licitação vem, e aí o camarada consegue entrar. E aí, quando ele entra e começa a prestar o serviço, você começa a ter problema com ele. E aí até que você tire ele e faça outra licitação, vem o contrato emergencial, a dispensa de licitação, que é outro problema. Nessas dispensas e contratos emergenciais, às vezes vem o lado da desonestidade, e é aí onde também acontecem os desvios.
“A cirurgia complexa é caríssima e a outra é barata. Do ponto de vista de mercado, a mais complexa interessa mais: o retorno financeiro é maior"
O senhor fez um quadro geral, mas eu gostaria de abordar questões específicas, que refletem esse quadro geral mas, às vezes por deficiência até da própria mídia quando noticia, acabam tomando quase de forma absoluta o espaço do noticiário sobre a prestação de serviços de saúde pública. Por exemplo: um dos gargalos que a gente vê um dia sim e o outro também no noticiário é a fila de cirurgias. Por que é tão difícil de zerar essa fila?
Temos aí peculiaridades técnicas e de mercado. São filas de cirurgia, certo: mas as pessoas generalizam. De que tipo de cirurgia estamos falando? Eu vou dar um exemplo antes de voltar para a história. É mais fácil hoje fazer uma neurocirurgia extremamente complexa, que dura dez, onze horas, tirar um tumor do cérebro de um paciente, você consegue fazer na mesma semana. Mas você leva três anos para fazer uma cirurgia de vesícula, que dura no máximo duas horas, é feita por videolaparoscopia e o paciente no outro dia vai pra casa. E por que isso acontece? Aqui você tem um componente financeiro. A cirurgia complexa é caríssima e a outra é barata. Do ponto de vista de mercado, a mais complexa interessa mais: o retorno financeiro é maior. Então, quando você faz uma licitação para contratar empresas para fazer essas cirurgias, você não consegue contratar empresas para fazer a cirurgia de vesícula, apêndice etc.
O estado poderia entrar como o fornecedor desse grau de serviço porque ele tem um volume grande de hospitais e poderia fazer essas cirurgias. Mas aí vem aquela situação: vai deixando para o município, jogando essa responsabilidade para o município, cobrando essa responsabilidade do município, quando o dinheiro não chega ao município para fazer. E aí o município não tem como construir e manter hospital; não tem como fazer isso. Então, acaba que a fila dessas cirurgias é demorada porque você não tem prestador de serviços para isso. Não há interesse do mercado de hospitais em fazer esse tipo de cirurgia. Ele não oferece esse serviço: me interessa esse outro aqui. E você não tem como obrigar: o serviço é dele, a instituição é dele.
Outra coisa relativamente comum é a formação de cooperativas para prestar determina- dos serviços de saúde. O poder público tenta contratar especialistas, abre concursos, mas não encontra médicos interessados e é obriga- do a contratar aqueles serviços diretamente das cooperativas. Há uma manipulação?
Não é manipulação: é mercado. Eu lembro que, na minha primeira participação como secretário no governo, nós tentamos impedir esse crescimento das cooperativas na prestação de serviços aqui no estado. Nós apostávamos muito na formação de uma carreira médica dentro do estado, onde o médico fosse bem remunerado e essa carreira fosse atrativa do ponto de vista financeiro. Ora, um profissional investe durante seis anos na sua formação, que é cara. Você pega uma faculdade privada de medicina e a mensalidade custa dez mil reais. Multiplique seis anos por 12 meses, você tem 72 meses a 10 mil reais. É um investimento muito alto. Depois, o cara sai para fazer uma residên- cia médica e são mais cinco anos. São onze anos de formação.
Quando vem um concurso público – e eu vivi isso recentemente, na Secretaria Municipal de Saúde – é para oferecer um salário de 8 mil reais para o médico trabalhar quarenta horas, ou seja, o dia todo, a semana inteira, por 8 mil reais, depois de você ter investido onze anos de sua vida numa formação. Eu tenho um amigo que trabalhou comigo que chamava isso de desonestidade administrativa e dizia: chega a ser imoral. Não tem como o profissional querer trabalhar no serviço público por esse salário. O que é que os médicos fizeram diante disso? Inteligentemente, de forma hábil e legal, se reuniram em cooperativas para oferecer os serviços com uma melhor remuneração. Isso vem sobrevivendo até hoje.
É um modelo irreversível?
É irreversível: não tem mais volta. Só teria se fosse instituída a carreira médica dentro do serviço público. E aí a gente cai na questão dos poucos recursos financeiros existentes. E eu nem diria que cai na questão do subfinanciamento, porque, quando eu fui subsecretário de saúde, eu mostrei à governadora Wilma de Faria que tinha como a gente implantar a carreira médica. Ela autorizou, o processo andou, mas, quando mudou de governo, sumiu esse processo. Eu disse pra ela: ‘A senhora tem como pagar a carreira médica.’ Ela me disse: ‘Como, George, se a gente já vive no aperto?’ Eu disse: ‘A senhora não está pagando a cooperativa? É o mesmo dinheiro, governadora. Só que com um gasto menor. Na hora que a senhora instituir a carreira, vai fazer um processo de transição.’ Na hora que eu consigo colocar dois médicos na carreira médica, tiro dois aqui desta escala de cooperativa. Consegui botar mais dois aqui? Tira mais dois ali. Aí você consegue ter atrativo. Com uma outra vantagem: esse profissional que eu estou pagando na cooperativa, ele recolhe o imposto dele em outro lugar, porque ele entra como pessoa jurídica. Ele vai recolher a Previdência dele no INSS. Mas esse aqui, da carreira médica, vai recolher para a Previdência do estado, que é onde tem um déficit financeiro.
O que aconteceu com a Previdência estadual e municipal? Quem alimenta os pagamentos dos aposentados são os novos contribuintes. Se você não tem entrada de novos, chega uma hora que não tem ninguém alimentando o pagamento. Se eu vou terceirizando, deixando de contratar pelo sistema próprio, uma hora esse sistema não vai suportar. Mas esse processo de implantação da carreira não andou. O que é que acontece? O camarada ganha oito mil reais por mês aqui e ganha mil e duzentos, mil e quinhentos, até mil e seiscentos num plantão pela cooperativa; então, com dez plantões por mês ali, ou seja, trabalhando só dez dias, ele já está ganhando muito mais do que com o salário aqui trabalhando o mês inteiro. É obvio que ele vai querer trabalhar pela cooperativa, não vai querer participar de um concurso público. Não é boicote: é escolha. Ele vai para onde pagam melhor.
E o pior é que essa terceirização da mão de obra foi evoluindo a um ponto em que parte dos servidores administrativos das próprias prefeituras também já está sendo terceirizada. Eu tive esse exemplo na Prefeitura de Natal. A gente fez um concurso em 2018, elaborado na gestão anterior, e não colocaram no concurso os servidores administrativos, só colocaram os da área assistencial. O setor administrativo todo foi terceirizado. Óbvio que na terceirização você paga um valor maior do que o que você paga ao servidor, porque a instituição que vai prestar o serviço visa ao lucro. E ainda tem essa desvantagem que eu acabei de citar, na Previdência: eu estou desembolsando mais dinheiro da prefeitura com servidores que vão recolher para outro sistema e o meu sistema deixa de ser retroalimentado.
“Não tínhamos força de trabalho para oferecer à população. Quem salvou as pessoas foram as cooperativas”
E quanto à qualidade dos serviços, no caso das cooperativas médicas?
Hoje é um sistema que funciona bem. Eu posso dar o exemplo da própria pandemia de Covid-19: os profissionais médicos que salvaram vidas aqui no Rio Grande do Norte, em 90 por cento dos casos, eram de cooperativas. A maioria dos profissionais de carreira do município e do estado eram profissionais que tinham o direito de não trabalhar presencialmente por conta da idade ou de alguma comorbidade. Era o maior contingente que a gente tinha, exatamente porque fazia muito tempo que não tinha concurso nem no município nem no estado. Então, não tínhamos força de trabalho para oferecer à população. Quem salvou as pessoas foram as cooperativas.
Passados mais de dois anos da pandemia, o que favorece uma análise fria, que avaliação o senhor faz da eficiência do SUS em situações emergenciais de larga escala, como foi a pan- demia de Covid-19?
É o modelo que melhor funciona. Nós, secretários, sabemos o que fazer, o momento de fazer e como fazer. Se não fosse o SUS, se fosse algum outro sistema, nós teríamos tido um desastre maior do que o que houve. O trabalho de redução de danos foi espetacular. Eu brincava muito com o prefeito, quando ia entregar alguma unidade de saúde, dizendo pra ele: ‘Está aí, prefeito. Missão dada é missão cumprida. Estou lhe entregando a unidade.’ Quando ele me dava alguma responsabilidade, eu dizia: ‘O senhor lembre que eu tenho aquele lema de que missão dada é missão cumprida. Mas eu me lembro que, no quartel, a gente tinha esse lema na parede e uma vez um soldado escreveu: ‘Quem dá a missão dá os meios.’ E eu dizia muito isso ao prefeito. Se der a condição, o trabalho aparece.
Foi isso que aconteceu na pandemia. O recurso financeiro chegou em 2020; em 2021, já não chegou, mas em 2020 tinha dinheiro e tinha a flexibilidade jurídica para você agir dentro do tempo necessário. Por isso que nós conseguimos montar um hospital de campanha aqui em 45 dias. E conseguimos transformar, em
menos de 30 dias, o perfil de um hospital que estava esvaziado, deixando-o pronto para receber qualquer paciente de Covid. Eu não tinha nenhum paciente de
Covid dentro do Rio Grande do Norte, e o Hospital Municipal com 57 leitos, com 10 leitos de UTI, com pronto-socorro, com tudo, já estava com tudo pronto, com
o pessoal treinado, com EPI, com medicamento, tudo, tudo lá dentro. Quando apareceu o primeiro paciente, eu já tinha o hospital pronto, porque havia sido dada
a condição para isso.
“Não tinha nenhuma discussão técnica envolvida nisso. Era um debate político:a governadora de um lado e o prefeito do outro.
Só política”
Como o senhor encara as críticas feitas ao pre- feito Álvaro Dias, na época da pandemia, por ter recomendado o uso de ivermectina no chamado protocolo alternativo?
Isso foi um componente exclusivamente político. Não tinha nenhuma discussão técnica envolvida nisso. Era um debate político: a governadora de um lado e o prefeito do outro. Só política. Existe uma coisa na indústria farmacêutica chamada de ‘produto off label’.
O que é o produto off label? É o produto que é usado para uma atividade diferente daquela para o qual foi concebido. Exemplificando: o viagra, a sildenafila, inicialmente foi fabricado para trabalhar a hipertensão pulmonar. Percebeu-se que um dos efeitos colaterais dele era o aumento da vascularização em alguns membros, inclusive provocando a ereção, e hoje ele é usado amplamente para a disfunção erétil. Isso, no momento, era chamado de produto off label.
Isso existe com vários medicamentos; não são poucos, não. Às vezes, a própria posologia, a dosagem dele, não é aquela que está indicada na bula, mas os médicos percebem e vão ajustando. E nós estávamos diante de um cenário de guerra, diante de um inimigo desconhecido de todos. Num cenário de guerra, tudo se faz, tudo se tenta. É aí onde vem o processo criativo de cada um. Na indústria bélica é a mesma coisa. Um cara inventa a catapulta, vem outro e diz: vamos botar um foguinho nessa bola; ah, não deu certo o fogo, então vamos botar prego. E cada um vai nesse processo.
O nosso comitê científico era constituído de professores da universidade na área de infectologia, professores e médicos renomados, de muita estrada aqui dentro. Então, não havia por que questionar algo que estava em processo experimental, mas experimental fundamentado em alguma coisa. Isso foi muito discutido internamente, e eu, inclusive, permiti que se usasse. Porque, na realidade, eu tinha que permitir, independente da ordem do prefeito, a autoridade sanitária era eu.
Eles tiveram muito trabalho para me convencer, inclusive foram feitas exigências por mim, na época, para que eu montasse uma retaguarda caso houvesse alguma intercorrência. Mas, ainda que ele não tivesse aquele efeito desejado, os efeitos colaterais ou reações indesejadas eram tão insignificantes que não havia problema que se fizesse a tentativa. Foi esse o principal fator que me fez concordar com o parecer do comitê. Mas ali foi só uma discussão política, mesmo. Se não tivesse esse componente político, ninguém nem prestava atenção. Se você pegar qualquer médico isento, que não tenha uma camisa de A ou de B, ele
vai falar disso com muita tranquilidade.

Um outro problema recorrente no sistema de saúde pública é a distribuição de medicamentos. O senhor já dirigiu a Unicat, fez mudanças operacionais, como no horário de atendimento. Mas, assim como a fila das cirurgias, a distribuição dos medicamentos é um dos principais elementos de um problema mais amplo, que é a chamada judicialização da saúde. Quer dizer: as pessoas não conseguem um tratamento ou um remédio pelas vias normais e acabam recorrendo à Justiça para ter o direito assegurado. E a Justiça, muitas vezes, impõe às pre- feituras a obrigação de arcar com esses gastos, usando recursos que vão fazer falta em outras áreas de prestação do serviço. Como o senhor avalia essa questão? Como seria possível resolver o problema?
Tem uma coisa que eu gosto de dizer e que gostaria que você colocasse na entrevista: ai desse povo pobre, se não fossem o Ministério Público e a Defensoria Pública! Muitos gestores veem o MP e a Defensoria Pública, veem o Poder Judiciário, como adversários deles. Eu vejo como um aliado forte. Por quê? Porque o meu interesse é igual ao interesse da Promotoria, da Defensoria e do Judiciário: é defender o interesse público. Eu não tenho componente político nas minhas costas, graças a Deus. Meu componente é extremamente técnico. Tenho um propósito de vida que é servir e vou servir pelo resto da minha vida. Você vai lembrar que falei dos problemas do sistema e, se brincar, os três estão dentro dessa questão: o subfinanciamento, a má gestão e o conflito de interesses. Esses medica- mentos têm na Unicat e têm na Prefeitura de Natal para serem distribuídos à população. E aqui eu abro uma brechinha para dizer que nós temos 167 municípios, mas eu acredito que só Natal tem esse sistema de distribuição, a Secretaria de Natal e a Secretaria do Estado. E os outros 166, não precisam distribuir? Precisam, mas onde eles vão buscar? Dentro de Natal. Vamos lá: o primeiro componente aí se chama qualidade da gestão. Você abre um processo licitatório. Quando eu fui secretário de Estado, eu fiz uma portaria dizendo que, se uma licitação passasse de seis meses, eu abria um processo administrativo para apurar responsabilidades, porque tem licitação que demora um ano, dois anos. Então, a Unicat faz um planejamento para comprar dez unidades de um medicamento e calcula que aquele estoque vai durar um ano. A licitação demorou um ano, mas nesse tempo novos pacientes entraram no sistema para receber aquele medicamento. Em vez de dez, eu precisaria de vinte. E mesmo que você tenha colocado uma margem de segurança – porque a gente faz o processo acompanhando a evolução do número de pacientes que entra a cada ano, ou seja, você coloca a demanda que tem hoje mais aquela média que você apurou dos anos anteriores, para saber quanto você vai precisar para este ano, o processo demora tanto que a margem de segurança foi engolida.
E aí você entra com outro processo de compra emergencial, que não é o melhor dos mundos para o gestor porque o risco é grande para ele, esse processo também demora uma eternidade. E, às vezes, o que acontece? Você deve a vários fornecedores, porque não tem o dinheiro, e o camarada não tem interesse de entrar na licitação ou vai barganhar com você. Ele diz: ‘Rapaz, eu ganhei a sua licitação, tenho o medicamento para entregar, mas você me deve 5 milhões de reais; como é que eu vou lhe entregar, se você não tem o dinheiro para pagar?’
Se você pagar com regularidade, todo mundo comparece à licitação, ninguém vai atrasar. Então, são dois componentes que estão ali colados. Tem a questão dos recursos e tem a má qualidade da gestão, que faz com que a licitação não ande no tempo correto. É um absurdo uma licitação demorar um ano, um ano e meio. Esse é o ponto: dinheiro e qualidade da gestão. Sem isso, você não tem um processo licitatório que ande de forma satisfatória. Você vai para o município de Natal. A prefeitura faz sua programação, e de repente você vê, volta e meia, a notícia por aí: está faltando insulina. Por quê? Porque eu comprei a insulina dos meus pacientes, coloquei essa margem de segurança que citei, mas só que o povo falsifica endereço, falsifica cartão e o povo do interior vem todo para Natal para receber.
O senhor mencionou outro problema recorrente na saúde pública, que é o aporte em Natal de moradores de outros municípios, nem sempre com a compensação financeira que seria natural e desejável, como prevê a lógica do sistema. Qual é o peso disso na qualidade dos serviços prestados na capital?
O peso é enorme. Ao contrário do que você disse – a reposição nem sempre acontece, a verdade é que ela nunca acontece. Existe um instrumento no sistema chamado de Câmara de Compensação. Na hora que o município A é invadido pelo município B, obviamente essa Câmara deveria ir buscar o dinheiro no município B para repor a despesa, mas isso não acontece. É um mecanismo que deveria ser conduzido pela Secretaria Estadual de Saúde, mas acaba que isso é negligenciado e o município maior vai pagar o pato, vai assumir esse ônus, como é o caso de Natal. Para você ter uma ideia, só de pactuação com os municípios, Natal perde em torno de 60 milhões de reais por ano. Isso significa que um município fez uma pactuação com Natal para contratar, por exemplo, dez partos por ano: está aqui o dinheiro dos dez partos. Só que, em vez de dez, ele manda vinte. E Natal não pode deixar de atender, porque, se o paciente bate na porta da maternidade, ele entra. E essa diferença financeira não vem.
Por que o mecanismo de compensação não é acionado?
Porque ele tem que ser conduzido pela Secretaria Estadual de Saúde, e aí entra o componente político do conflito de interesses que eu já citei: Ah, eu vou cobrar do município que é do meu correligionário, do meu aliado político, para dar para um adversário? Fica esse jogo. A compensação não é feita e o município paga o pato. Eu tenho aqui os dados de Natal em 2023. Atendimento hospitalar de média e alta complexidade: o pactuado foi 51 milhões, o realizado foi 110 milhões, 59 milhões de prejuízo. Aí vem os municípios: Parnamirim, Macaíba, São Gonçalo, Ceará Mirim, Extremoz. E na área de medicamentos ocorre a mesma coisa. Eu perco esse dinheiro no caso que citei, perco nos medicamentos e perco nas UPAs: 20 por cento do atendimento de Natal nas unidades de urgência e emergência são do interior. E não vem um recurso financeiro para nada. Esse recurso de financiamento das UPAs, por exemplo, deveria ser das três esferas de governo federal, estadual e municipal. Para uma UPA que custa dois milhões e meio de reais, Natal recebe 350 mil do Governo Federal e o estado deveria entrar com mais 350 mil, mas ele não paga. Tem uma dívida de mais de 70 milhões que a gente está recebendo via parcelamento judicial.
Qual é o impacto desses atrasos do estado nas contas dos municípios e na qualidade dos ser- viços que eles são obrigados a prestar?
Para os municípios menores, a contrapartida do estado é na assistência farmacêutica. Ele tem a obrigação de entrar com parte dos recursos financeiros, o município com outra e o Governo Federal com outra. São três componentes que eles têm a obrigação com o financiamento: UPA, SAMU e Farmácia Básica. Farmácia Básica, todos os municípios têm. Mas UPA E SAMU, poucos têm. Então, Natal tem os três, e ele, o estado, não paga, não faz a contrapartida dele. Desde antes de eu entrar, em 2018, que não paga. Essa conta dos 78 milhões é antiga. Se eu for somar a conta nova, dá mais outros 50 milhões no mínimo. E isso tem um impacto imenso: Eu falo que tenho quatro UPAs, e na realidade eu tenho seis portas de urgência e emergência. Mas UPAS qualificadas para receber esse financiamento, eu tenho quatro. E só nessas UPAs aí, vamos dizer que sejam 300 mil por unidade, então dá um milhão e duzentos mil todo mês, e com mais outro tanto do Samu, dá dois milhões de reais, um volume que faz falta a qualquer município. E fora a Farmácia Básica. Isso só da contrapartida dele, do estado... e ainda tem a invasão dos municípios. A conta nunca fecha. E aí o gestor, o secretário de Saúde, passa por mau administrador, quase que um perdulário, que gasta todo o dinheiro da prefeitura. Mas há que se perguntar onde ele está gastando. É o que chamo da quaidade do gasto e o destino dessa despesa. E, às vezes, as pessoas não querem ouvir; só querem falar, falar.
Quais são as medidas mais urgentes para sanar ou ao menos mitigar esses problemas diagnosticados?
A primeira coisa é melhorar a qualidade da gestão. Esse componente político pode ser mesclado à questão técnica. Eu não sou contra a indicação política, desde que o indicado tenha qualificação técnica. Esse é o melhor dos mundos, porque você vai trabalhar com alguém da sua confiança e que é bom tecnicamente. Às vezes, acontece de você ter um cara muito bom tecnicamente, mas não é da sua confiança, nem da confiança do prefeito ou da governadora. Então, o risco de você se dar mal é muito grande. As duas situações são perigosas. Quando você tem a indicação meramente política, sem ser acompanhada da qualificação técnica, o desastre é quase certo, é um peso que você vai carregar. É um a menos para contribuir. A outra coisa é a questão financeira. Não tem bom administrador sem recursos financeiros. Não tem. Ele vai ser sempre alvo de alguma crítica. Você pega chuvas como as que estão acontecendo agora, em qualquer lugar que você for tem goteira, mas na tua unidade de saúde, se tiver goteira, o adversário político vai lá fazer uma filmagem, bota nas redes sociais, ou a tevê vai lá e faz uma reportagem. E você vai levar um tempo para consertar aquela goteira. Nós temos cento e tantos prédios só da Secretaria de Saúde de Natal. Mais de 60 unidades de saúde, duas maternidades, um hospital, seis pronto-atendimentos, então é muita coisa pra você colocar cem por cento do ponto de vista de estrutura física e de pessoal.
A gente paga o pato até por problemas que não são ligados diretamente à Secretaria Municipal de Saúde. Nós temos uma epidemia de dengue. Os criadouros do mosquito estão onde? Dentro das residências. Então, o problema da dengue é causado pela própria população, que não faz a parte dela e quer cobrar do poder público uma solução para o problema que ela causou. No caso do lixo que não deveria ir pra rua, nós, Secretaria Municipal de Saúde, que não temos obrigação com isso, recolhemos mais de 100 mil pneus no primeiro semestre do ano passado. Este ano, até eu sair da secretaria, em março, já havíamos recolhido mais de 40 mil pneus das ruas, sem contar o recolhimento da Urbana na coleta normal. E o principal criadouro é o pneu. Eu costumo dizer que muitos problemas sociais sempre desaguam na saúde. Quando todas as outras políticas públicas falham, o resultado deságua na saúde. Você pega a violência do trânsito: o cara atropelou, caiu, o sistema de saúde é quem vai ter que dar conta dele. O camarada brigou com a mulher, deu uma facada, a mulher vai pra onde? Sistema de saúde. Eu fui notícia durante muito tempo de fossas estouradas nas minhas UPAs. Eu tenho que manter um contrato de esgotamento sanitário, quando, na frente da UPA, passa uma rede coletora, mas eu não posso ligar à rede coletora porque a estação de tratamento de esgotos, que é feita pela Caern, não está pronta.
“O novo hospital vai ajudar muito o sistema.Parte dos problemas que temos no Hospital Walfredo Gurgel e nas UPAs da prefeitura é exatamente por falta de leitos de retaguarda"
A população é influenciada negativamente por parte da mídia, que tem o interesse político de detonar. Quando dizem que o sistema não presta, as pessoas esquecem a quantidade de vidas que são salvas todos os dias.
O senhor está falando de avanços, e a prefeitura está construindo um hospital municipal na Zona Sul. Parece uma boa notícia, mas sabe-se que o custo de manutenção de um hospital é muito alto. A gente vê isso nos problemas da própria rede de hospitais estaduais, que enfrentam constantemente muitos problemas de estrutura, de manutenção, de falta de pessoal e de insumos médicos. O município vai ter con- dição de manter o novo hospital?
O custo mensal de um hospital desse porte não é menos de seis milhões de reais por mês. O novo hospital vai ajudar muito o sistema. Parte dos problemas que
temos no Hospital Walfredo Gurgel e nas UPAs da prefeitura é exatamente por falta de leitos de retaguarda. São aqueles pacientes que chegam numa urgência, precisam de internação e não há leito de retaguarda para internar. E aí fica internado na UPA quatro dias, uma semana, como fica naquela fila do Walfredo porque não há para onde mandar. Então, o hospital é bem-vindo. Se vai ter recursos financeiros? Eles sempre aparecem. Sempre se dá um jeito de conseguir recursos dentro do Governo Federal. Mas, faço a ressalva: vai conseguir recursos dentro da tabela do SUS. A complementação financeira vai sobrecarregar os cofres da prefeitura, e ela tem que saber que vai contar com essa despesa. Não se faz saúde pública, não se atende pacientes sem recursos financeiros, que são um investimento. É preciso diferenciar gasto de investimento. Botar dinheiro na saúde não é gasto, é investimento. Quem tem alguém doente em casa, quem já perdeu uma vida na família, sabe disso. Torno a repetir: quando as outras políticas falham, a carga cai sobre o SUS.
Veja a Lei Seca: é um investimento extraordinário. Quantas mortes são evitadas por causa do policiamento nas ruas e nas estradas, para coibir a alta velocidade! Isso é um investimento extraordinário. Sem ele, a conta seria muito mais cara, tenderia a aumentar.
Temos essas questões sociais, a falta de esgotamento, de alimentação adequada etc., que adoecem a população, especialmente a mais pobre, exigindo mais do sistema de saúde. E temos um componente que está se somando. Nos últimos dez anos, a população brasileira envelheceu em 40 por cento. Estima-se que até 2030, o Brasil seja o sexto país com a maior população de idosos. Com o envelhecimento há o aumento das doenças crônico-degenerativas: diabetes, hipertensão, Alzheimer, Parkinson, infarto, AVC. Mesmo que não tenha esse adoecimento, há uma demanda maior pelos serviços de saúde, principalmente na atenção primária, no aumento dos medicamentos para serem entregues à população.
“Não vou ser candidato.Foi um convite feito pelo prefeito, eu aceitei num primeiro momento, mas não é o meu perfil"
O sistema está cuidando disso? Tem planejamento para lidar com essa perspectiva?
Existe a política de saúde do idoso e o Governo Federal há de estar alerta para isso. A gente tem que ter cuidado com o planejamento para isso. E voltando um pouco à questão do avanço na secretaria, nós evoluímos, só de população que não era cadastrada no sistema de saúde – e isso faz parte de um trabalho para aumentar a captação de recursos, nós saímos de 205.421 pessoas em 2018 para 496.455 cadastra- das em meados de 2023. Consultas, nós saímos de 422 mil em 2018 para 720 mil, se contarmos com médicos, enfermeiros e dentistas, ou seja, 70% de aumento. Se a gente fala só de consultas médicas, houve um aumento de 109 por cento: saímos de 235 mil para 493 mil consultas. E qual o reflexo de aumentar consultas na atenção primária? Você diminui os encaminhamentos para a rede de urgência e emergência. Nós saímos de uma média de 757 encaminhamentos mensais para 498.
O senhor deixou a secretaria, mas, pelo que disse aqui, mantém o interesse de continuar servindo à população. O senhor chegou assinar ficha de filiação ao partido do prefeito, o Republicanos. Vai ser candidato a vereador?
Não vou ser candidato. Foi um convite feito pelo prefeito, eu aceitei num primeiro momento, mas não é o meu perfil. Meu lado é mais de executivo mesmo, de servidor pública na área da assistência. Eu nasci para ser secretário de Saúde. Não vou levar adiante essa empreitada da candidatura.