REPÚBLICA BUROCRÁTICA DO BRASIL
O Brasil foi uma das Repúblicas que mais intensamente adotou o Positivismo. Este conceito sociológico e filosófico, capitaneado a partir de meados do século XIX pelo filósofo francês Auguste Comte, cujo lema principal desta Doutrina está impresso na Bandeira Nacional: “Ordem e Progresso”. Aqui em terras tupiniquins, os militares, mormente aqueles que participaram do golpe […]
O Brasil foi uma das Repúblicas que mais intensamente adotou o Positivismo. Este conceito sociológico e filosófico, capitaneado a partir de meados do século XIX pelo filósofo francês Auguste Comte, cujo lema principal desta Doutrina está impresso na Bandeira Nacional: “Ordem e Progresso”.
Aqui em terras tupiniquins, os militares, mormente aqueles que participaram do golpe militar que derrubou o Império e fundou a República, foram os maiores seguidores e disseminadores do “Positivismo Jurídico”, que é ramo ou espécie do “Positivismo”, cuja corrente é inspirada no ideal de progresso contínuo da humanidade. Este pensamento postula e defende a existência de uma marcha contínua e progressiva, advogando, ainda, que a humanidade tende a progredir constantemente.
No mesmo período de Comte, outro grande filósofo, vindo da Alemanha, Max Weber, precursor da Sociologia Econômica, apresentava para o mundo a sua perspectiva do trabalho sob a visão religiosa, econômica e “burocrática”, considerando as organizações como sistemas burocráticos, para explicar a forma racional do trabalho hierarquizado e como as empresas se organizam. Weber definiu burocracia como uma organização baseada em regras e procedimentos regulares, onde cada indivíduo possui sua especialidade, responsabilidade e divisão de tarefas.
No campo da divisão de tarefas, Adam Smith, autor da magistral obra A Riqueza das Nações, notável ou mesmo insuperável filósofo e economista escocês, pai da economia moderna, cujas lições de liberalismo econômico fazem corar de vergonha qualquer dirigente brasileiro da extrema esquerda à extrema direita, já tinha desenvolvido o conceito da divisão de tarefa, as quais Weber deu o seu entendimento.
É extremamente importante contextualizar as correntes de pensamento e conhecimento existentes no momento do nascimento do infante liberalismo, pois daí surgiu o Positivismo, que viria a ser a corrente dominadora dentro de nossas administrações, cujos efeitos, pasme, vivemos até a presente data.

“O termo 'burocracia' adquiriu fortes conotações negativas, longe da fonte doutrinaria criadora, por absoluta falta de conhecimento e compreensão. É popularmente usado para indicar a proliferação de normas e regulamentos que tornam ineficientes as organizações administrativas públicas”
Pois bem, os pensamentos corretamente embasados já estavam formulados na prateleira do conhecimento, e guardados em tomos empoeirados e organizados, só bastando ao ser humano ler e evoluir. Assim caminha a humanidade.
Ocorre que, no Brasil e boa parte do mundo onde conheço, o termo “burocracia” adquiriu fortes conotações negativas, longe da fonte doutrinária criadora, por absoluta falta de conhecimento e compreensão. É popularmente usado para indicar a proliferação de normas e regulamentos que tornam ineficientes as organizações administrativas públicas, bem como corporações e empresas privadas. São os procedimentos que não levam a lugar algum. Exatamente o contrário do que pregou Weber e ensinou Adam Smith. Que Deus os tenha.
Burocracia para os tupiniquins não é organização, é o excesso de Estado, a intromissão desproporcionada do aparelho administrativo na vida das pessoas ou dos negócios privados, cujo predomínio e a tirania da máquina estatal são exercidos por funcionários que consideram o público como uma massa amorfa, susceptível de ser transformada em números e expedientes, incontáveis expedientes, que a própria Administração já não tem noção do que é certo, exigível, válido, original e, principalmente, lógico.
Não bastasse os milhões de regulamentos absolutamente inúteis, e neste ponto o termo “burocracia” tem sentido exato, temos ainda o luxo nababesco da sobreposição de órgãos, ou seja, o Estado por cima do Estado, ex vi a existência de dois Tribunais dentro do mesmo ente estatal, exercendo a mesma jurisdição no mesmo território. Nenhum ser humano explica ou entende tal fato, a não ser pela necessidade de criar cargos e manter empregados uma casta política. Isto existe, e que ninguém duvide que serão criados mais destes órgãos ou de ser impedido a sua extinção, como ocorreu recentemente com a promulgação de uma emenda constitucional impedindo a extinção de Tribunais de Contas, nos estados onde existiam mais de um. Como dizem os hermanos argentinos, yo no creo en brujas pero que las hay, las hay. Isso mesmo, existem bruxas, estão em todas as repartições públicas, e não subestime a capacidade de nossos legisladores, sempre pode piorar o que já está ruim.
Tais estudos, conceitos filosóficos, sobre a divisão do trabalho para aquele período, foram amplamente aceitos e de certo modo revolucionários. Adam Smith, a meu sentir, é tão moderno quanto em 1750. O problema está na evolução dos fatos, sendo certo que, no início do século passado, mormente o Positivismo Jurídico, na sua forma mais puritana, já estava em desuso. E como sempre, desde os primórdios da nossa Res Publica, o que é certo logo é abandonado e o que é errado fica enraizado. Resultado da tragédia, o positivismo está mais forte hoje do que quando foi importado. Relembramos, para os positivistas, tudo passa por uma ordem, no caso jurídico, de uma hierarquia legal rígida.
Aí está a fonte primordial da nossa burocracia, na forma vulgar, mãe de todos os problemas, umbilicalmente ligada ao nascimento abrupto do nosso Estado, de modelo federal, regime presidencialista, dentro de uma nação de incrédulos que não se indignam com a corrupção. Ao exigir uma ordem hierárquica legalista, base para todas as ações estatais, visando o progresso, levou a este modelo de Estado que temos, com uma constituição que não para de ser inventada, milhares de leis e códigos, milhões de regulamentos editados por decretos, instruções normativas, portarias, ordens de serviços e por aí segue o cortejo, cujo Estado que, se visto por dentro, está carcomido e tem mais buracos que queijo suíço. Não há arcabouço jurídico que aguente. Temos exemplos claros e recentes de fim de estados esfacelados pela burocracia, mãe de toda corrupção.
“O hábito de eternizarmos coisas ruins, quando não as pioramos, até parece uma característica intrínseca da Administração Pública”
O hábito de eternizarmos coisas ruins, quando não as pioramos, até parece uma característica intrínseca da Administração Pública, ou princípio formador da própria República. A capacidade de burocratizar um processo e dificultar a vida do cidadão é algo inimaginável; só os servidores públicos são capazes de dar uma explicação.
Se contarmos para qualquer pessoa, minimamente inteligente, que no Brasil, para tentar desburocratizar a Administração, foi criado um Ministério, com estrutura enorme, cheio de servidores, orçamento, gastos infinitos, na melhor forma do positivismo, tudo dentro de uma ordem, e que foi extinto na primeira oportunidade, não porque não tinha o que fazer, mas porque nada foi feito, o ouvinte pediria para contar outra piada. Talvez os servidores mais antigos convenceram os mais jovens de que “está tudo como dantes no quartel d’Abrantes”. Será que vivemos no mesmo paralelo e hemisfério de Brasília?
Dar exemplo de órgãos, leis e regulamentos que não contribuem em nada e ainda custam muitíssimo ao contribuinte, ficaríamos anos escrevendo. Mas, para exemplificar, tentem entender o processo da Nova Lei de Licitação, a qual é um tapa na cara do cidadão.
Vez por outra surge aqui e ali alguma coisa que tenta inverter esta lógica dominante e perversa. Com ensejo, o Governo Federal editou a Lei nº 13.726, de 8 de outubro de 2018, com a seguinte ementa: “Racionaliza atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação”. Parece que não passou de arroubo, era bom demais para ser verdade, ainda que a Norma dispusesse que os órgãos poderiam inexigir o óbvio, o desnecessário, atendendo a racionalização do processo, ainda não pegou. Sim, terráqueos, aqui nesse mar de leis tem as que pegam e as que não pegam, e, por vezes, fazem lei nova para exigir o que a lei antiga exigia, mas esta última estava esquecida.
Esta lei citada traria tantos efeitos práticos quantos os incontáveis efeitos deletérios da burocracia. Ficar contextualizando exaustivamente os defeitos também é burocrático, vamos para os finalmentes, como dizia o inesquecível personagem Odorico Paraguaçu.
Por economia de tempo e muitas perdas desnecessárias de neurônios, nem precisa ir fundo nos autores aqui citados, muito menos Augusto Comte, melhor e até divertido, para o entendimento prático sobre burocracia, leiam Asterix e Obelix – Os 12 Trabalhos de Asterix. Por Tutatis, que os céus não caiam em nossa cabeça, o fato passado e vivido em Roma pelos amigos Gauleses é a descrição fiel e cristalina do dia a dia dos órgãos públicos do Brasil. Um Estado burocrático não tem moral, e sem este não subsiste. E em Roma, também por estes motivos dos 12 trabalhos, o império ruiu.