SANTA CRUZ O MILAGRE DO TURISMO RELIGIOSO NA ECONOMIA DO TRAIRI
Santuário de Santa Rita de Cássia fez de Santa Cruz o principal polo religioso do estado, atraindo milhares de devotos e dinamizando a economia da região
Depois de ressuscitar a economia do Trairi, abalada pelo declínio do seu principal produto, a cultura do algodão, a gigantesca estátua de Santa Rita de Cássia pode gerar mais um prodígio na região. Santa Cruz deverá sediar uma das duas dioceses que o arcebispo de Natal Dom João Santos Cardoso decidiu criar. A outra sede será Assu e terá ascendência também sobre a região Salineira. As escolhas nada têm de aleatórias. As duas cidades se encaixam nos critérios fixados pelo arcebispo. São polos de regiões que vivem notável expansão demográfica e desenvolvimento socioeconômico nas últimas décadas, com base no sucesso de atividades produtivas que reaqueceram economias estagnadas.
No Vale do Assu e adjacências, o impulso veio da fruticultura irrigada e do setor de óleo e gás. No Trairi, o dínamo é o turismo estruturado na devoção a Santa Rita de Cássia, no santuário que atrai milhares de romeiros anualmente, mas sobretudo nos dez dias de maio dedicados à festa da padroeira das causas impossíveis. Não por acaso, a Comissão de Estudos para apontar as novas dioceses foi instalada em Santa Cruz, durante missa solene celebrada pelo próprio arcebispo na matriz de Santa Rita de Cássia, dia 8 de junho.

Dom João Santos Cardoso
Dom João voltava à cidade exatas duas semanas após presidir, em 22 de maio, as cerimônias de encerramento da festa, quando testemunhou a magnitude da devoção popular à padroeira das causas impossíveis. Sem fonte ou parâmetro do cálculo, a estimativa oficial foi de 90 mil pessoas na procissão com a imagem da santa. Imprecisão à parte, o que o arcebispo viu não foi pouco. A padroeira das causas impossíveis tornou-se, desde a construção da estátua e do santuário com seu nome, no alto do Monte Carmelo, o principal polo de turismo religioso potiguar. A devoção que começou na capelinha erguida em 1825 agora leva milhares de romeiros ao complexo que mistura fé e comércio, como é próprio do turismo religioso. Em 2023, as missas, a procissão e a parte profana da festa – shows musicais e outras apresentações artísticas – atraíram 215 mil pessoas, entre moradores e visitantes, que movimentaram R$ 28,3 milhões na economia regional.
“A padroeira das causas impossíveis tornou-se, desde a construção da estátua e do santuário com seu nome, no alto do Monte Carmelo, o principal polo de turismo religioso potiguar”

Procissão de encerramento da festa
“O turismo religioso é o novo algodão para Santa Cruz, que viveu um ciclo econômico importante décadas atrás com a produção algodoeira e agora vive um novo ciclo econômico com o advento do turismo religioso”
A estimativa é da pesquisa realizada pela Federação do Comércio do RN (Fecomércio) e pelo Sindicato do Comércio Varejista de Santa Cruz sobre o perfil dos participantes e a percepção dos empresários sobre a festa. Numa escala de 0 a 10, a festa do ano passado recebeu dos entrevista- dos nota 9,42. A pesquisa 2024 ainda não havia sido divulgada até o fechamento desta edição de MUNICÍPIOS EM FOCO. Mas os números conhecidos seguramente fortalecerão a tendência pró-Santa Cruz no relatório da Comissão de Estudos anunciada por Dom João.
Eles atestam que os traços da ‘cidade santuário’ aparecem no retrato da futura diocese, esboçado pelo arcebispo na homilia da missa em que nomeou os 10 membros do colegiado, que terá seis meses para apresentar sua decisão. Entre os critérios a considerar, o arcebispo destacou a condição de polo financeiro, de serviços e devoção religiosa; a influência sobre os demais municípios da região; e o potencial de crescimento demográfico e expansão econômica. “Eu costumo dizer que o turismo religioso é o novo algodão para Santa Cruz, que viveu um ciclo econômico importante décadas atrás com a produção algodoeira e agora vive um novo ciclo econômico com o advento do turismo religioso”, enfatiza o prefeito Ivanildo Ferreira.
HISTÓRIA DE UMA IDEIA
O prefeito participou da missa e ouviu, no trecho protocolar da homilia, Dom João celebrar a parceria do município no projeto comunitário. Ao saudar as autoridades civis e eclesiásticas, o arcebispo alongou-se na referência ao deputado estadual Tomba Farias, ex-prefeito do município. O arcebispo expressou sua “gratidão pelo apoio do mandato a esta comunidade paroquial e pelo empenho para que o santuário fosse realidade”, destacando que o complexo religioso “tem projetado Santa Cruz, fazendo dela não apenas um polo econômico, um polo de serviços, mas um polo religioso.”






A louvação reconhece a inspiração e o trabalho de Tomba, como prefeito e depois deputado, para transformar o Alto do Cruzeiro, no Monte Carmelo, em Alto de Santa Rita, sítio da devoção que alargaria os horizontes da região. Tomba acentua que a ideia se instalou como alternativa à suspensão de outro projeto pensado para desenvolver a região: oficinas de costura, criadas na década de 1990 com o dinheiro de emendas federais, para formar um polo de indústria têxtil. Ele atribui a interrupção desse projeto às exigências do Ministério Público do Trabalho quanto à organização dos empreendedores em cooperativas de produção. O recurso ao turismo religioso atualizaria o plano de industrialização para gerar trabalho e renda no município de 37.313 moradores (IBGE 2002), a 13a. maior população no estado.
Tomba não consegue precisar quando teve a ideia, que pode ter sido inspirada pela visita ao Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. “Eu vi a estátua do Cristo, mas deixei pra lá. Depois, resolvi construir a estátua de Santa Rita, que veio a se transformar no santuário. Tivemos muitas dificuldades, porque tinha que ter o projeto para fazer no alto do Cruzeiro, como o lugar era chamado na época”, recorda o ex-prefeito. “Era área da igreja e para fazer o santuário, que foi feito com emendas parlamentares, a área teria que ser doada ao município. Foi uma fase muito difícil, mas a gente conseguiu, com a ajuda de muita gente.”
No começo, as pessoas não entendiam, achavam que a gente estava ficando louco. Mas depois entenderam a importância do projeto e começaram a acreditar”
Um dos principais apoiadores era o padre Aelson Sales, hoje monsenhor e integrante da Comissão de Estudos. Tomba diz que não houve rejeição organizada da população, nem contestação formal do Ministério Público ao projeto. Mas um juiz chegou a questionar a pertinência da obra para ateus como ele. Depois de conversas com a comissão liderada pelo prefeito e pelo vigário, retrocedeu e aceitou. “No começo, as pessoas não entendiam, achavam que a gente estava ficando louco. Mas depois entenderam a importância do projeto e começaram a acreditar”, explica Tomba. “Quando a estátua começou a ser levantada, o local começou a ser visitado. As pessoas começaram a ir pra lá e aí virou realmente um sucesso, um sonho que a gente sonhou e se tornou realidade. O santuário de Santa Rita é conhecido no Brasil todo.”

Deputado Tomba Farias
“Antes do santuário ser concluído, tínhamos de 80 a 100 leitos de hospedagem em Santa Cruz e hoje temos de 750 a 800”
O custo inicial foi orçado em R$ 4,5 milhões, provenientes de emendas federais e estaduais, Governo do Estado e Prefeitura de Santa Cruz, que usou no projeto R$ 1,2 milhão da venda das contas do município ao Banco do Brasil. Porém, o custo final bateu em R$ 6,5 milhões, somados os gastos com a estátua, o prédio do complexo, a pavimentação do acesso, a infraestrutura de água e luz levada até o monte. A obra começou em novembro de 2007, no sexto ano da gestão de Tomba, e foi oficialmente inaugurada em 26 de junho de 2010, como “a maior estátua religiosa do Brasil.” No total, são 56 metros de altura: 42m do corpo da estátua, 6m do pedestal e 8m do resplendor no cimo. Para comparar, o Cristo Redentor, no Rio, tem 38 metros no total.

Romeiros durante missa no santuário

Turismo religioso acelerou a expansão da cidade
A imagem de Santa Rita está assentada sobe uma estrutura de concreto de 8 cm de espessura, como parte do complexo de dois andares divididos entre espaços de oração, celebração e comércio. Pode-se soltar fogos ao lado do cruzeiro e tocar o sino de devoção instalado à entrada. Na sala de milagres, ex-votos, cartas, manuais de concurso da OAB e outros objetos simbolizam a crença dos romeiros e a gratidão por graças alcançadas. Em 14 anos de existência, o Santuário de Santa Rita, elevado formal- mente a essa condição em 11 de outubro de 2009, por decreto da Arquidiocese de Natal, cumpriu o papel de indutor do desenvolvimento do Trairi. “Antes do santuário ser concluído, tínhamos de 80 a 100 leitos de hospedagem em Santa Cruz e hoje temos de 750 a 800. Sem contar que a cidade se verticalizo e muitos apartamentos foram construídos e são alugados”, recita Tomba.



Artesanato
é uma das atividades beneficiadas
pelo desenvolvimento econômico
CRESCIMENTO ECONÔMICO
Ele destaca vantagens adicionais, como a chegada de universidades públicas e faculdades privadas, projetando a cidade também como centro do ensino superior na região. “O comércio tomou outro rumo, houve geração acelerada de emprego e renda, a população passou de 25 mil para 42 mil. Na parte de restaurantes, passamos de 2 ou 3 para cerca de 30. Há muitos bares e lanchonetes com mesas externas.



Comércio de artigos religiosos movimenta a economia do santuário e da cidade
“O comércio tomou outro rumo, houve geração acelerada de emprego e renda, a população passou de 25 mil para 42 mil”
O comércio de lembranças cresceu muito, criando-se uma série de pontos de venda na subida do alto. Temos de 180 a 200 artesãos que praticam o artesanato ligado à devoção a Santa Rita. Sem falar dos ambulantes, os vendedores de velas, de água, de refrigerantes, de picolé, dindim. Todo esse pequeno comércio aumentou e muito, criando muitos empregos”.
Os bons números não estão apenas no entusiasmo de Tomba e do prefeito Ivanildo Ferreira. O Inventário da oferta turística de Santa Cruz, feito pelo Sebrae RN para a prefeitura no ano passa- do, mostra com se estruturou a cadeia produtiva do turismo religioso no município. Em vez de três pousadas, a cidade passou a ter nove e mais cinco hotéis, oferecendo 243 unidades de hospedagem, com 663 leitos cadastrados. O setor de transporte tem quatro empresas privadas e três associações de motoristas, com táxis, vans e ônibus. O cadastro de mototaxistas registrou 160 profissionais, operando em onze pontos da cidade. O comércio de alimentos e bebidas – restaurantes, padarias, lanchonetes e bares – tem 94 estabelecimentos. A cidade conta com cinco agências de viagens.

Estacionamento de ônibus no dia de Santa Rita de Cássia
“A festa de Santa Rita é o ápice de todo o trabalho que realizamos ao longo do ano. Este ano, encerramos a festa como sentimento de dever cumprido, por ter oferecido a maior programação já realizada em todos os tempos”
Essa estrutura é testada anual- mente no pico da festa anual da padroeira, o 22 de maio. O fluxo de visitantes pode ser medido pela quantidade de vans e ônibus que trazem caravanas de romeiros dos oito municípios da região, de outras regiões do estado, do Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Ceará, São Paulo, Minas Gerais,Rio de Janeiro e Goiás. Neste ano, o dia 22 de maio foi uma quarta-feira, reduzindo o movimento no santuário. O pico havia sido no domingo anterior, o dia 19: a cidade recebeu mais de 300 ônibus e vans e mais de 700 carros de passeio.
“A festa de Santa Rita é o ápice de todo o trabalho que realizamos ao longo do ano. Este ano, encerramos a festa com o sentimento de dever cumprido, por ter oferecido a maior programação já realizada em todos os tempos, trazendo inúmeros turistas e movimentando a economia local”, comemora o prefeito Ivanildo Ferreira. O Santuário de Santa Rita já aparece no ranking nacional de destinos religiosos da CVC, uma das maiores operadoras, como o sétimo mais procurado no país.


Estação de reenvio, ao lado da matriz já está pronta. A estação motriz, no santuário, será construída após a implantação dos motores e outros equipamentos, como os cabos nos postes
TELEFÉRICO
A projeção nacional deve aumentar com a elevação a diocese e com a execução da próxima etapa do projeto do santuário: o serviço de bondinhos entre o santuário e a matriz de Santa Rita, no centro da cidade. Os dois processos correm junto e devem convergir no desfecho. O prédio da estação de reenvio dos bondinhos, ao lado da matriz, já está pronto. Também já foram fincados os seis postes que sustentarão os cabos entre as estações. A construção da estação motriz no santuário depende do cabeamento e da instalação dos motores e demais equipamentos já importados da Suíça. As 40 toneladas de material estão na cidade. A empresa instaladora será selecionada via pregão eletrônico. O edital saiu em maio, e o processo ainda não havia sido concluído até 30 de junho. O cus- to final desta etapa, entre equipamentos e serviços, está orçado em R$ 12,6 milhões oriundos de emendas federais e estaduais, além de recursos da própria pre- feitura.

SANTA CRUZ EM NÚMEROS
Território
624,356 km2
População – IBGE 2022
37.313 hab.
IDHM – 2010
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
0,635
(médio)
Escolarização – 6 a 14 anos
95,7
Mortalidade Infantil
9,56
óbitos por mil nascidos vivos
PIB – IBGE 2019 Produto Interno Bruto
R$ 653.382 mil
PIB per capita
R$ 16.468,77
Receitas realizadas – 2023
R$ 141,6 milhões
Despesas empenhadas
R$ 129,5 milhões