SERIDÓ GEOPARQUE MUNDIAL UNESCO: UMA EXPERIÊNCIA DE CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL QUE DEU CERTO
Geoparque Seridó, reconhecido mundialmente, é uma experiência de consórcio intermunicipal que se tornou realidade e agora passará por nova revalidação da Unesco. Conheça a história desse território que gera emprego e renda nas cidades e veja que o RN pode ter outros geoparques do tipo
No início de 2009, há cerca de 16 anos, o geólogo Marcos Antonio Leite do Nascimento estava finalizando um levantamento para o Serviço Geológico Brasileiro (SGB). O trabalho consistia em fazer um mapeamento dos recursos minerais numa área de 3 mil quilômetros quadrados na região do Seridó potiguar. O ponto central deste levantamento era o município de Currais Novos, cidade que fica a cerca de 186 km de Natal.
Naquela época, ele percorreu 900 lugares diferentes na região. E essa experiência plantou na cabeça do geólogo a ideia de que a área poderia oferecer muito mais que apenas recursos minerais. “Eu já tinha uma visão, enquanto uma pessoa dedicada a popularizar conhecimento, de que ali poderia ter algo mais, com um viés de popularizar conhecimento científico”, lembra.
Nos anos seguintes, Marcos Nascimento deixou o SGB e se tornou professor do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E ganhou força a ideia de usar aquele território para algo mais: era a área perfeita para ele, como professor, levar seus alunos e fazer suas pesquisas. Mas era muito além disso — ele só não sabia ainda, porque parte dessa história corria em outro lugar, em outro tempo.
Em 2006, muito antes de Marcos Nascimento vislumbrar o Seridó como uma área que poderia oferecer algo além de minérios, o SGB criou um programa chamado Projeto Geoparques, seguindo conceitos dos Geoparques Mundiais da UNESCO. A ideia do projeto era a identificação, levantamento, descrição, inventário, diagnóstico e ampla divulgação de áreas com potencial para se tornarem geoparques.
“Como diz minha esposa, são as providências da vida”, brinca o geólogo. Na passagem de 2009 para 2010, o SGB entrou em contato e pediu auxílio para verificar se uma área sobre a Serra de Santana, que fica no Seridó, teria potencial para virar um geoparque.
“E aí, o que é que acontece? Eu, já professor da UFRN, sugiro à equipe do Serviço Geológico a não fazer só com a Serra de Santana, mas também descer e visitar um pouco aquela região de Currais Novos, Acari, Carnaúba dos Dantas”.
Por quê?
“Porque a Serra de Santana teria, em termos geológicos, pouca diversidade. Teria, em termos geológicos, pouca oportunidade de diferentes tipos de minerais, de rochas, de relevo, que pudesse ter o que a UNESCO pede, que é um patrimônio geológico de relevância internacional”.
“Aquela área, para nós, não era propícia do ponto de vista isolado, só ela. Mas se a gente acrescentasse as mineralizações de xelita que tem na base da Serra de Santana; as pinturas rupestres que tem em Carnaúba dos Dantas; o relevo diferenciado de Acari; aí eu achava que isso era possível”.

Turismo, em 2015
Como assim?
“Numa visão imediatista, aquela área, para nós, não era propícia, do ponto de vista isolado, só ela. Mas se a gente acrescentasse ali, por exemplo, as mineralizações de scheelita que tem na base da Serra de Santana; pegasse — do ponto de vista cultural — as pinturas rupestres que tem em Carnaúba dos Dantas, Parelhas; o relevo diferenciado, que pare- ce uma cordilheira, como a gente tem lá em Acari; aí eu achava que isso era possível".
Em abril de 2010, Marcos Nas- cimento recebeu no Rio Gran- de do Norte os representantes do SGB. Vieram pela entidade o Coordenador Nacional do Projeto Geoparques, Carlos Schobbenhaus, e o Coordenador Regional Rogério Ferreira.
Para apresentar sua ideia e mostrar aos pesquisadores a viabilidade dela, o professor contou com a ajuda de um parceiro que até hoje dá apoio ao projeto: o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no RN (Sebrae-RN).

Mais especificamente, Marcos Nascimento teve a ajuda de Yves Guerra, gestor de turismo no Sebrae-RN. No dia 19 de abril de 2010, no auditório da UFRN em Currais Novos, ele preparou uma surpresa, reunindo os representantes do SGB com prefeitos, professores, alunos, guias, conduto- res, artesãos, empresários e outras pessoas da comunidade para falar sobre aquele novo horizonte que poderia estar surgindo.
“E dali a gente sai para o campo para visitar esses locais. E a gente ficou quatro dias no campo, visitando vários locais. No segundo dia, eles decidiram. ‘Não, realmente, Marcos, não pode ser só a Serra de Santana. Você tem razão'".
Pode-se dizer que iniciava ali o Geoparque Seridó, área de 2,8 mil quilômetros quadrados geri- da por um consórcio intermunicipal formado por seis municípios e que foi reconhecida pela Unesco, em abril de 2022, como território de relevância mundial.
A trajetória iniciada em abril de 2010, contanto, não foi tão fácil quanto aparenta. E precisou contar com vários parceiros para chegar ao que hoje se chama o Seridó Geoparque Mundial da UNESCO.




MENOS É MAIS
Após esse primeiro encontro e a definição de que seria um geoparque, foi realizado o inventário do patrimônio geológico da região, listando o que havia em cada área. O documento foi concluído e publicado no final de 2010. E a discussão em torno do tema começou a ser levada a congressos e eventos, sempre com um viés acadêmico.
Esse trabalho foi promovido até por volta de 2013, quando o "protótipo" do Geoparque Seridó passou por uma mudança importante. “Em 2013, eu oriento uma dissertação de mestrado de uma aluna chamada Janaína Medeiros. Hoje, ela é diretora executiva do Consórcio. E, sob nossa orientação, ela redefine os limites do território”, conta Marcos Nascimento, que também é o coordenador científico do Geoparque.
No início, a ideia era que o geoparque fosse constituído por 13 municípios e 25 geossítios. A partir da dissertação de Janaína Medeiros, isso foi redefinido para 6 municípios e 21 geossítios.
E por que reduziu?
“Primeiro, porque o patrimônio geológico de relevância internacional que identificamos estava contido nesses 6 municípios. Segundo, porque esses municípios já vinham trabalhando, de certa forma, com apoio aos projetos que realizávamos. E terceiro, porque o conceito de geoparque exige que o território seja contínuo”.
Marcos Nascimento explica que, dessa forma, ficou mais fácil o diálogo com os gestores dos municípios realmente interessados em viabilizar o geoparque. O "novo" território também facilitou o trabalho de sensibilização da população local.
A partir daí, o trabalho se voltou para o engajamento de condutores, artesãos, empresários e profissionais da rede hoteleira, entre outros. Tudo sempre com o apoio do Sebrae-RN, que promoveu fam tours na região e cursos de capacitação.



UM TELEFONEMA QUE MUDOU TUDO
Nessa época, de concreto mesmo, o geoparque só tinha nome. Não havia estrutura de gestão. Foi então que um acontecimento em 2015 gerou uma mudança crucial para o projeto chegar onde chegou. Naquele ano, durante a gestão do então governador Robinson Faria, foi a primeira vez que o geoparque foi procurado por uma administração estadual.
A iniciativa ocorreu sob a gestão do então secretário de Turismo, Ruy Pereira Gaspar; e o responsável pelo contato foi o secretário-adjunto, Manuel Gaspar. "Não é coincidência. Como diz minha esposa, são as providências da vida. Não por acaso o Manuel Gaspar me liga, eu estando de férias em Fortaleza, para justamente querer saber mais sobre o que seria esse Geoparque".
Marcos Nascimento voltou de férias e participou de uma primeira reunião com o governo. Segundo ele conta, esse momento foi essencial para o desenvolvimento do geoparque porque até então o projeto jamais tinha despertado interesse do governo estadual.
A partir daquele telefonema do advogado Manuel Gaspar, tudo começou a mudar. Tanto que em setembro de 2015, por iniciativa do Governo do Estado, foi promovido o "I Workshop Projeto Geoparque Seridó: realidades e desafios", no Centro de Convenções de Natal. Nesse evento foram debatidos, entre outros assuntos, a modelagem jurídica do geoparque e a importância de um território do tipo para o turismo de um estado como o RN.
Cerca de um ano após a primeira reunião com a Secretaria de Turismo, em 8 de dezembro de 2016, o Governo do Estado publicou um decreto que criou o Grupo de Trabalho (GT) para propor o regime jurídico do futuro "Geoparque Seridó RN". Iniciava-se aí um novo ciclo para o projeto.
Integraram esse grupo de trabalho representantes do Governo do Estado, da Secretaria de Estado do Turismo (Setur); da Empresa Potiguar de Promoção Turística (Emprotur); da Procuradoria-Geral do Estado (PGE); do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema); da Fundação José Augusto (FJA); da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Norte (Fapern); da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
Também compunham o grupo representantes das prefeituras e da Câmaras de Vereadores das cidades envolvidas; do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); da Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte (Femurn); da Agência de Desenvolvimento Sustentável do Seridó (ADESE); do Serviço Geológico do Brasil (CPRM); e de entidades do terceiro setor e das comunidades.
"A partir de 2015 até 2018, é onde eu encerro um outro ciclo, a gente efetivamente avançou muito ao ponto de que a gente teve a oportunidade de, por um decreto do governo do Estado, criar um grupo de trabalho para definir qual a melhor forma de gestão, porque só faltava essa última etapa", explica o professor.
A forma de gestão foi um passo essencial para que hoje exista o geoparque. Isso porque, qualquer projeto que se candidate a ser um geoparque, precisa ter comprovadas quatro características: patrimônio geológico de relevância internacional; trabalho em rede; visibilidade e forma de gestão. O ainda projeto desenvolvido no RN tinha as três primeiras.
A partir do decreto, da criação do grupo de trabalho, foram feitas reuniões a cada três meses para debater o projeto e que forma de gestão seria aplicada. Na época, um dos integrantes do grupo de trabalho era o procurador estadual José Marcelo Costa. E partiu dele a sugestão de que a gestão do geoparque fosse por meio de um consórcio intermunicipal.
Após cerca de dois anos de discussão, o grupo colocou os prós e contras de cada modelo (fundação, consórcio, associação, entre outros). "E, no final, o que trouxe o melhor resultado foi um consórcio público intermunicipal", conta Marcos Nascimento. A ideia foi apresentada aos prefeitos. Eles concordaram.
Houve um período de trâmites burocráticos do final de 2019 até meados de 2020. No dia 14 de agosto de 2020, enfim, nascia o Consórcio Público Intermunicipal Geoparque Seridó (CPIGS), que conta com a participação das prefeituras de Acari, Carnaúba dos Dantas, Cerro Corá, Currais Novos, Lagoa Nova e Parelhas. Todas essas cidades, antes mesmo da formalização da entidade, já tinham abraçado a ideia do geoparque.
"A ideia foi essa. Só que não se faz um geoparque sozinho. E para geoparques, qualquer um desses da Unesco - hoje são 213 no mundo, espalhados em 48 países - existe uma frase que hoje é até meio clichê: geoparques são feitos de pessoas para pessoas"
CANDIDATURA NASCEU NO URUGUAI
Em 2018, dois anos antes do modelo de gestão ser definido, o professor Marcos Nascimento foi participar de um curso de capacitação financiado pela Unesco, no Uruguai. O país foi escolhido porque lá há as "Grutas del Palacio", que foram incorporadas à Rede Mundial de Geoparques da Unesco em 2013.
Ao final do curso, na volta para Natal, Marcos Nascimento não tinha dúvidas que todos os caminhos para o RN levavam à Unesco. "A ideia foi essa. Só que não se faz um geoparque sozinho. E para geoparques, qualquer um desses da Unesco - hoje são 213 no mundo, espalhados em 48 países - existe uma frase que hoje é até meio clichê: geoparques são feitos de pessoas para pessoas", relata.
No final de novembro de 2019 o projeto foi submetido ao Ministério de Relações Exteriores, órgão responsável por encaminhar demandas do tipo. A diferença de um ano da ideia até a submissão se deve ao fato de que a Unesco tem períodos específicos para receber candidaturas, no caso, de outubro a novembro.
Em 2018, quando fez o curso no Uruguai, Marcos Nascimento retornou ao Brasil em dezembro. E teve de aguardar o novo período, em 2019.
"Mesmo se eu quisesse e estivesse com a documentação pronta, a gente não tinha como mandar. Então, por isso que a gente botou na cabeça 2019. A gente teve praticamente um ano para preparar toda a documentação", conta.
E o que é essa documentação?
"É um dossiê, escrito em inglês, de 50 páginas, contando a história geológica, biológica, cultural, falar sobre a gestão, quem são os atores que estão nesse comitê gestor, qual a estrutura da gestão, quais as ações já promovidas ao longo dos anos, porque qualquer projeto tem que estar pelo menos há um ano trabalhando enquanto geoparque", responde.
Além de toda a documentação, a submissão incluía ainda um formulário de alta avaliação com mais de 100 perguntas. Para essa missão foi formada uma equipe composta por geólogos, geógrafos, turismólogos, administradores, advogados "porque são perguntas de várias áreas".
NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PANDEMIA
O ano de 2019 terminou sob a expectativa da visita da equipe da Unesco para verificar tudo o que tinha sido dito no dossiê. Então, 2020 começou. E com ele, ao invés dos técnicos das Nações Unidas, quem veio para uma visita inesperada, indesejada e trágica, foi a pandemia de Covid-19. E isso foi um desafio a mais que a equipe do Geoparque teve de superar em meio a todas as dificuldades que a doença impôs a todo o mundo.
"Eu passei oito meses e três semanas sem sair de casa. E a gente já sabia que a Unesco não viria nos visitar. Mas, ao mesmo tempo, a gente sabia que não podia parar com as ações. Então, começamos a elaborar muita ação do ponto de vista remoto", conta.
Nesse período, sem poder atuar presencialmente, o grupo que tocava o projeto do Geoparque desenvolveu outras atividades, as que eram possíveis, como a criação de mascotes, história em quadrinhos, livros, quebra-cabeças, jogos, entre outros.
Somente quase dois anos depois é que a Unesco sinalizou a possibilidade da visita. A missão veio só no começo de novembro de 2021, dois anos após a submissão. Vieram dois avaliadores. Passaram quatro dias em campo.
"A gente preparou um programa de visitação, aprovado por eles e pela Unesco, contemplando os seis municípios, geossítios, escolas, reuniões com os seis prefeitos, reunião com o comitê técnico do Geoparque", explica o professor.
No último dia, antes do fim da visita encerrar, houve ainda uma reunião com o Governo do Estado. "Eles não podiam e nem disseram se a gente estava aprovado ou não. Mas para a nossa surpresa, eles disseram uma coisa da reunião que nos trouxe muita emoção. Que já tinham avaliado muitos geoparques no mundo, mas que havia sido a primeira vez que tinham visto uma consonância entre todos (os envolvidos)", relata.


Além disso, os avaliadores também enalteceram o fato do projeto contar com representantes do governo federal, do go- verno estadual e das prefeituras. Os avaliadores foram embora e a partir daí só restava esperar. Os técnicos tinham até dezembro para produzir o relatório no qual diriam se o Geoparque Seridó estava apto.
Segundo o professor Marcos Nascimento, em dezembro de 2021 eles já ficaram sabendo que estavam aptos. Mas isso ainda não significava que podiam co- memorar. Havia ainda um trâmite burocrático e tudo só passaria a valer após a aprovação numa Assembleia na Organização das Nações Unidas.
“Praticamente doze anos depois eu respirei, parei e pude dizer: ‘pronto, cumpri aquilo que eu pensei lá atrás, final de 2009 começando 2010’. Agora era colocar o Seridó no mapa dos Geoparques Mundiais da Unesco”
Então, de dezembro de 2021 a abril de 2022, todos os envolvidos no projeto do Geoparque tiveram de respirar fundo e ter paciência, mais uma vez.
No dia 13 de abril de 2022, o professor Marcos Nascimento acordou cedo, abriu seu computador e acessou a transmissão ao vivo da 214a Sessão do Conselho Executivo da UNESCO. Às 7h36 (horário de Brasília), “a representante da Unesco leu o nome lá: Seridó Geoparque Mundial da Unesco".
A partir daquele momento, o Rio Grande do Norte se tornou o 2o estado a ter um geoparque Unesco no Brasil. Antes dele, só havia o Geoparque Araripe, no Ceará, chancelado em 2006. Junto com o Seridó, também foi aprovado em 2022 o Geoparque Mundial da Unesco Caminhos dos Cânions do Sul, que fica entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.


A chancela para o parque no RN chegou praticamente 12 anos após aquele 19 abril de 2010 quando se deram os trabalhos de inventário do patrimônio geológico no território. “Pronto. Olha as coincidências. Ou como minha es- posa sempre diz: as providências da vida", reitera Marcos Nasci- mento.
“Praticamente doze anos de- pois eu respirei, parei e pude dizer: ‘pronto, cumpri aquilo que eu pensei lá atrás, final de 2009 começando 2010’. Agora era colocar o Seridó no mapa dos Geoparques Mundiais da Unesco. Tanto que hoje, os mapas que são produzidos pela Unesco, tem lá o nomezinho. Tem um pontinho lá, tem o Seri- dó", exalta.
CONSERVAÇÃO, EDUCAÇÃO E TURISMO
A partir do momento que o Geoparque Seridó foi aprovado na Unesco, um trabalho terminou. E outro muito maior começou.
“A partir dali entra todo um novo cenário, de maior responsabilidade, no qual a gente passa a ter algumas obrigatoriedades. Um cenário no qual tem que sair do mais do mesmo e começar a produzir ações inovadoras que mostrem que a gente sempre está progredindo porque a gente já sabia que a partir daquele dia que recebesse a chancela de quatro anos, depois a gente seria reavaliado e, consequentemente, a cada quatro anos”, explica o coordenador científico.
E é esse o atual estágio do parque. Em 2025, ele será novamente avaliado pela Unesco. O trabalho para conseguir manter-se como geoparque mundial está atualmente a todo vapor. “Se tudo der certo, em 2025 a gente será revalidado e continuará usando a logo da Unesco por mais quatro anos. E assim vai ser ininterruptamente, desde que, obviamente, quem faz a gestão do geoparque, queira continuar com isso", aponta.
E por que é importante ter esse selo? Que benefícios esse reconhecimento traz?
“Eu vou começar pelo financeiro: nada. A Unesco não paga nada. E nunca pagou. Porque o que é que faz a Unesco ter um programa e beneficiar um território? A visibilidade. É um selo que credita você a buscar apoios financeiros", responde.



"O Geoparque, por ser gerido por um consórcio, conta com um recurso próprio, mesmo que mínimo, que é o que nós chamamos de taxa de rateio. Então, cada prefeitura, por mês, paga uma taxa de rateio para gerir o consórcio, seja do ponto de vista de recursos humanos e de ações efetivas no território."
A partir do reconhecimento, a logo da Unesco passa a ser usada ao lado da marca do geoparque. E isso é um selo de reconhecimento de credibilidade e responsabilidade do projeto. Exemplo disso foi que no dia que o Geoparque Seridó foi reconhecido pela Unesco o Sebrae estava celebrando uma parceria de R$ 200 mil para o projeto.
Atualmente, por exemplo, está sendo feita a sinalização total do Geoparque. Para esse trabalho foram obtidos R$ 1,4 milhão, financiamento que só está sendo possível porque a área tem esse reconhecimento internacional.
Uma das novas responsabilidades do Geoparque é a participação em eventos internacionais. "A cada dois anos existe a Conferência Internacional de Geoparques Mundiais da Unesco. Em 2022, a gente participou em Marraquexe, Marrocos. A gente teve representação de 4 pessoas lá. Eu, a Janaína, Matheus (Lisboa Nobre da Silva, coordenador científico adjunto) e Silas (Samuel dos Santos, geocientista e coordenador de Marketing e Divulgação)", explica.
Além disso, a equipe já participou de eventos na Espanha, em Portugal, Colômbia, Uruguai, Argentina e Chile. Este ano eles irão novamente ao Chile porque lá será realizada a Conferência Internacional de Geoparques.
Importante destacar que toda essa trajetória do Geoparque só se tornou possível porque teve o amparo e o apoio das prefeituras que integram o consórcio, responsáveis inclusive pelo apoio financeiro básico para que a equipe desenvolvesse o trabalho.
"O Geoparque, por ser gerido por um consórcio, conta com um recurso próprio, mesmo que mínimo, que é o que nós chamamos de taxa de rateio. Então, cada prefeitura, por mês, paga uma taxa de rateio para gerir o consórcio, seja do ponto de vista de recursos humanos e de ações efetivas no território", explica Marcos Nascimento.
E ressalta: "É esse recurso que paga o salário da diretora executiva, do advogado, do contador, prepara e paga as coisas do dia a dia e, eventualmente, uma ação ou outra."
Só para dar a devida ideia de quão importante é esse aspecto do consórcio, basta dizer que já houve candidatura de território rejeitada exatamente porque o modelo de gestão não estava claro. O suplemento de recursos vem por meio da busca por editais de financiamento. "A gente já conseguiu editais com iniciativa privada, com terceiro setor, com poder público. Então, esses recursos que entram viabilizam as várias ações que a gente realiza em educação, turismo e conservação", observa.
E hoje, em que estágio está?
"A gente está em um estágio de efetiva promoção desse trinômio: conservação, educação e turismo, muito mais forte em educação e turismo. A gente tem que dar a mão à palmatória. A gente precisa fazer mais ações de proteção desses espaços que a gente usa para educação e turismo", diz.
"A gente tem guias e condutores, hoje, que dão depoimento que eram uma pessoa antes e depois do geoparque. Muitos deles têm uma evolução socioeconômica enorme, por serem condutores e estarem recebendo visitantes"
Esse trabalho consiste na sensibilização dos artesãos para que eles se apropriem e se empoderem do território e passem a defendê-lo e a produzir artesanatos identitários com base no Geoparque.
Com relação aos guias e condutores, é feito o trabalho de capacitação. "A gente tem guias e condutores, hoje, que dão depoimento que eram uma pessoa antes e depois do geoparque. Muitos deles têm uma evolução socioeconômica enorme, por serem condutores e estarem recebendo visitantes", relata Marcos.
Nos anos de 2022 e 2023, o Seridó Geoparque Mundial recebeu um total de aproximadamente 20 mil visitantes. 2024 ainda está sendo fechado. Esses visitantes vêm principalmente de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro; e dos estados mais próximos, Paraíba e Pernambuco. Mas há também pessoas de fora do Brasil, que vêm de Portugal, da Espanha e da França, por exemplo.
O fluxo de visitantes estimula a economia e faz com que os empresários se apropriem da identidade do geoparque como forma de fazer com que seus negócios prosperem. "Tem uma pousada em Parelhas, a Recanto do Mulungú, onde os quartos são chalés e têm nomes de minerais e de rochas. Tem um chalé lá que chama berilo. Outro que chama quartzito", conta.
Em Cerro Corá, outra cidade que faz parte do Geoparque, há uma pousada, a Colina dos Flamboyants, onde os quartos levam nomes de geossítios. E lá também funciona um restaurante no qual alguns pratos já receberam nomes levando em conta essa identidade local.

DUAS PALAVRINHAS MÁGICAS
Passados 15 anos desde aquela época que o professor Marcos Nascimento fez o levantamento geológico da área, ele guarda consigo uma explicação para o motivo do Geoparque Seridó ter dado certo. "Eu tenho duas palavrinhas mágicas: uma é comprometimento e a outra é empoderamento".
Como é isso?
"A partir do momento que a gente conseguiu empoderar parte da população e fazê-la entender que aquela pedra que está no quintal da casa dela tem pessoas que têm interesse em querer conhecer aquilo, em tirar uma foto, em saber porque a pedra é assim assada, porque o relevo é diferente. A partir do momento que eles se empoderaram e quando eles colocaram isso nos produtos deles, quando a chefe de cozinha colocou isso com mais amor ainda na comida, a dona do hotel rebatizou o nome do quarto, aí os prefeitos começaram a ver. Aí o Governo do Estado, o SEBRAE, o Senac, o Iphan, começaram a ver que a coisa estava andando", explica.
"A segunda é comprometimento. Essas pessoas têm que estar comprometidas. Porque é uma corrente. Imagina aí, você andar de bicicleta e um pino daquela corrente te soltar. O que é que acontece? A gente cai. Então, tem que estar bem amarrado. Então, esse comprometimento, a gente começou a partir do momento que a gente viu que o trabalho em rede estava dando certo. E esse trabalho em rede dando certo leva a esse comprometimento", completa.
O caminho à frente
Para o futuro mais próximo, o caminho agora é buscar a revalidação. "Por isso que está sendo feito esse trabalho com documentação, envio do material, receber a missão agora entre maio e junho, em setembro deve ter a reunião do conselho para dizer se foi revalidado ou não e a efetiva revalidação em 2026, março ou abril, no que eles chamam de Assembleia de Primavera".
Do ponto de vista operacional, o Consórcio está sempre tentando buscar inovações, novas ações para abraçar ainda mais o território. Entre essas parcerias há a que se refere aos outros geoparques. São 212 atualmente. Ano que vem esse número deve chegar aos 230.
"Na América Latina hoje são 13. Mas vão se tornar 15. E no Brasil são 6 geoparques. E aí o que a gente quer com essas parcerias? Trazer o que é de bom, adaptar a nossa realidade e promover esse desenvolvimento com base nessas parcerias", explica.
Além disso, eles estão trabalhando ações que envolvem, por exemplo, o turismo de aventura, ciclismo, enduro, entre outros.
Educação e conservação
Na parte educacional têm sido trabalhadas as questões ligadas à capacitação de professores da rede pública municipal de ensino. Nesse sentido, haverá também um suporte maior a guias e condutores da região. Por fim, o Consórcio deverá começar a promover mais ações para proteger e adequar o uso de alguns desses locais.
Por que visitar o Geoparque Seridó?
"A pessoa vai encontrar dois patrimônios fantásticos, que a gente consegue ter a nível nacional e, pela própria chancela da Unesco, a nível internacional, que você não vai achar com facilidade no mundo. Um é o patrimônio geológico, dado pelas mineralizações de scheelita, e pelo relevo totalmente diferenciado em pleno sertão nordestino. Associado a isso, a gente tem um outro patrimônio natural, que é a biodiversidade de um bioma exclusivamente brasileiro, que é a Caatinga. Você vai ter uma fauna e uma flora, que só vai ter aqui nessa região do Nordeste. Então, você tem animais e plantas endêmicas, que por sua vez só tem no Seridó", afirma.




E o quê mais?
“Soma isso a um patrimônio cultural, que você tem atrelado às questões materiais, então você pode visitar inúmeros sítios arqueológicos com pinturas e gravuras, de 10 mil anos atrás. Mas também você visitar características imateriais, que estão associadas a uma gastronomia, como carne de sol, o queijo de coalho. Vai visitar danças específicas, como a dança do esporão, na comunidade quilombola em Parelhas. Você pode visitar a própria comunidade quilombola, com remanescentes de tempos atrás, sem falar de coisas mais recentes, mas nem tanto, como, por exemplo, os vaqueiros.
E participar de certas atividades que só ocorrem aqui. Então, quando você junta esses dois patrimônios, o natural e o cultural, você percebe que se eu quiser ver isso, tem de vir ao Seridó. E se quiser ver melhor ainda, eu vejo distribuído nos seis municípios, no território que se chama Geoparque Seridó ou Seridó Geoparque Mundial da Unesco. Foi isso que a gente mostrou no dossiê, e eu acho que foi isso que pegou os caras", afirma.
Atualmente, o Consórcio Inter- municipal está trabalhando a sinalização física do Geoparque. Essa sinalização compreende as placas nas estradas indicando como chegar e também as sinalizações “internas”, indicando os geossítios, trilhas, painéis descrevendo os aspectos geológicos, biológicos e culturais; as comunidades e outras riquezas da região.
Literalmente, este ano, o Geoparque Seridó está entrando no mapa. Que seja para nunca mais sair.
